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8 factos sobre o financiamento da investigação em IA

TomMorisse

Artigo de Tom Morisse, research manager na FABERNOVEL INNOVATE Paris

Não é possível fazer investigação sem financiamento. Esta é, então, uma oportunidade para fazer um balanço das instituições, empresas e países que influenciam predominantemente a investigação em inteligência artificial. Ao fazê-lo, talvez inspiremos outros a participar numa das maiores aventuras do próximo século.

1) Há uma grave ausência de transparência

A primeira coisa que notamos ao procurar dados sobre o financiamento de investigação de IA é que é incrivelmente difícil encontrar esse tipo de informação. A pesquisa de inteligência artificial, geralmente, não é suficientemente relevante para aparecer como uma linha específica no orçamento das agências públicas de pesquisa (em oposição a grandes áreas académicas como “IT” ou “Química”, por exemplo).

A única solução (necessariamente imperfeita) é seguir ao longo dos anos, os programas relacionados com a inteligência artificial ou os seus setores. Mas, de seguida, encontrar os programas relevantes é uma tarefa extremamente difícil. Por exemplo, lemos que os autores de um artigo tinham recebido uma bolsa de estudos de um programa do DARPA (Defense Advanced Research Projects Agency – o principal ramo de R&D do US Department of Defense) programa intitulado de “deep learning”. No entanto, não conseguimos encontrar informações sobre os montantes concedidos nesse contexto, nem qualquer nome dos seus beneficiários: somente um relatório de avaliação técnica do US Naval Research Laboratory.

Se a opinião pública continuar a considerar a inteligência artificial como uma influência fundamental para o futuro (nociva ou positiva), então teremos o direito de conhecer quais as áreas cobertas ao dia de hoje e quem as está a trabalhar.

2) O financiamento não aumentou substancialmente, mas a distribuição evoluiu

Com o recente entusiasmo em torno da inteligência artificial, esperávamos um aumento significativo do orçamento para a correspondente investigação (pelo menos nos EUA). A soma dos orçamentos do departamento de sistemas de informação e inteligência da National Science Foundation (NSF) e dos programas relacionados com a inteligência artificial da DARPA, tem oscilado entre os 300 e os 400 milhões de dólares nos últimos quinze anos. Um valor que é relativamente consistente com a quantidade de 1,1 mil milhões de dólares correspondente ao investimento total do governo dos Estados Unidos no “AI-related technologies” em 2015, comunicadas por um recente relatório da Casa Branca.

Fontes: Orçamentos da DARPA e NSF

Dado que a investigação de IA já existe há décadas, assumimos que muito mais do que uma questão de volume de investimentos, a importância está na sua distribuição. E evoluiu. Por exemplo, a primeira referência a “machine learning” no orçamento da NSF foi em 2009. Assim, o financiamento teve, certamente, um papel no desenvolvimento atual de IA, ou seja, no foco em machine learning e em particular em deep learning.

3) A IA não é uma obsessão de financiamento público

O corolário do insight anterior é que a inteligência artificial não é (ainda) uma importante área de investimento dentro do vasto mundo da investigação. Aqui tem uma rápida percepção sobre a realidade da NSF:

Na União Europeia, não há nenhuma rubrica do orçamento de 80 mil milhões de euros do programa de investigação e inovação Horizon 2020,  atribuída à inteligência artificial, para além da robótica. Embora a IA se encaixe bem na maioria dos seus pilares, como nas “Tecnologias Futuras e Emergentes”, na “Liderança Industrial” e nos “Desafios Sociais”. O problema é que as políticas europeias de I&D são negociadas por períodos de 7 anos, e o quadro atual foi adotado em 2013, antes da IA ser um tema em destaque.

4) O financiamento militar dos EUA ainda predomina

Provavelmente é uma consideração ingénua, mas não esperavamos encontrar tantas bolsas de reconhecimento de agências relacionadas com o Departamento de Defesa (DARPA, o Office of Naval Research…) nas publicações dos investigadores que trabalham nos EUA, ao contrário da maioria das revelações sobre IA durante o período da Guerra Fria.

A presença permanente de objetivos militares no financiamento da investigação de IA nos EUA é ainda mais relevante quando percebemos que “assegurar a defesa nacional” está em terceiro lugar na declaração de missão da NSF. Que é muito diferente dos organismos de investigação equivalentes na Europa. Por exemplo, no Reino Unido o Engineering and Physical Sciences Research Council e em França L’Agence Nationale de la Recherche  têm como objetivo:
(i) promover o progresso científico;
(ii) contribuir para o progresso económico e social (estes objetivos são sempre mencionados por essa ordem).

Porque é que isto é relevante? Porque a internet que usamos todos os dias nasceu na rede militar ARPAnet. A resposta tem, por isso, um duplo sentido.

Por um lado, o mero envolvimento dos militares dos EUA no vasto panorama de investigação (para além das áreas diretamente relacionadas com a defesa) é discutível. Neste contexto, a opinião de Terry Winograd, uma personalidade relevante na Inteligência Artificial, em 1984, são relevantes sobre o financiamento militar.

Por outro lado, qualquer que seja a opinião sobre este envolvimento e o seu resultado líquido sobre a nossa sociedade, a sua influência sobre o caminho de investigação está longe de ser neutro. Por exemplo, o DARPA Grand Challenge, uma competição de carros autónomos realizada em 2004-2005, que foi o ponto de partida para todos os esforços digitais e industriais que vemos hoje, foi lançada com o objetivo de automatizar um terço dos veículos de combate terrestre do exército dos EUA até 2015.

Nunca nos devemos esquecer do custo de oportunidade associado ao financiamento militar, e, portanto, que uma maior importância dada a objetivos civis poderia conduzir à exploração de outros caminhos interessantes no campo da IA.

5) A China tem uma influência crescente

A informação é escassa, mas é claro que a China ultrapassa os Estados Unidos nesta área. O gráfico abaixo, retirado de um recente relatório da Casa Branca mostra que, no domínio do deep learning, o número de publicações chinesas excedeu as americanas em 2014. Os Estados Unidos e a China são claramente os líderes nesta corrida e outros países esforçam-se para tentar acompanhar o ritmo:

A melhor aproximação que temos do esforço chinês em IA está nas muitas equipas que participam em competições internacionais e são efetivamente muito competitivos. Uma equipa do Chinese Minitry of Public Security ganhou o desafio da ImageNet em 2016, muito à frente de uma equipa composta maioritariamente por cientistas do Facebook AI Research. No ano anterior, a Microsoft tinha ganho o mesmo desafio… graças ao seu laboratório em Pequim.

6) A estratégia dos líderes digitais não é financiar laboratórios de universidades; mas sim competir com eles

Os gigantes da tecnologia mundial, não hesitam em investir em investigação básica. A abordagem por que se regem, não é desencorajar o financiamento público dos laboratórios universitários. Mas, maioritariamente estão a investir nos seus próprios centros de investigação. Alguns dos seus grupos foram criados no início da década de 2000 (por exemplo, a equipa de machine translation da Microsoft data de 2002), mas os seus esforços têm aumentado fortemente nos últimos anos.

Por exemplo, o Facebook contratou Yann LeCun, um pioneiro do deep learning e professor na Universidade de Nova York, para inaugurar o laboratório Facebook AI Research em 2013 e, em seguida, formou uma equipa adicional em Paris, em 2015. A equipa Google Brain criada em 2011, anunciou um grupo de machine learning em Zurique, em Junho de 2016 e está atualmente construir um laboratório em Montreal, onde existe uma forte comunidade especialista em deep learning.

Alguns dos membros do Facebook AI Research (Yann LeCun é o segundo a partir da esquerda)

Cada vez mais investigadores se juntam aos GAFA, que são agora acusados de secar a fonte de talento académico. Isto também é evidente no seu financiamento direto em laboratórios universitários, que inclui especificamente estudantes de doutoramento.
A estratégia de investigação da Uber em carros autónomos é o arquétipo das tensões que às vezes existem entre empresas digitais e universidades. A Uber assinou um acordo de parceria com a Carnegie Mellon University (CMU), em 2015, que incluiu uma doação de US $ 5,5 milhões, contudo o gigante dos transportes on-demand foi logo acusado de roubar dezenas de cientistas da CMU.

7) O modelo mais interessante entre os centros de investigação, é o alemão

O discreto German Research Center de Inteligência Artificial (DFKI na Alemanha) foi fundado em 1988 e oferece um modelo único que poderia ser imitado em muitos países (o seu orçamento para 2015 foi “apenas” de 41 milhões euros). Este é um dos maiores laboratórios de IA do mundo, construído em quatro pilares:

  1. Como o próprio nome sugere, dedica-se exclusivamente à inteligência artificial e às suas muitas problemáticas (gestão do conhecimento, machine translation, robótica…) com cerca de 500 investigadores e centenas de estudantes de doutoramento.
  2. O DFKI é uma parceria público-privada sem fins lucrativos com três tipos de acionistas: 3 estados alemães, 3 universidades alemãs e várias empresas (Google, Airbus, Volkswagen, Intel …).
  3. As suas 4 localizações permitem ao DFKI criar os seus grupos de investigação no local mais conveniente (por exemplo, o Robotics Innovation Center é em Bremen, perto das fábricas da Mercedes-Benz e da Airbus, e o grupo Interactive Textiles com sede na criativa cidade de Berlim).
  4. O DFKI controla toda a cadeia de inovação, desde a investigação básica (grupos de 18 investigadores) ao teste (6 laboratórios vivos) e seguinte comercialização (com 76 spin-offs desde a sua criação).

Foto do Maritime Exploration Hall em Bremen, onde os robôs aquáticos são testados sob condições reais.

8) Grandes empresas e governos têm alavancado oportunidades

O Canadá acolhe duas comunidades vibrantes de investigação de deep learning em Toronto e Montreal. O CIFAR – Canadian Institute For Advanced Research foi a chave para este movimento, através de um programa que fundou em 2004, com o nome de “Neural Computation and Adaptive Perception“. Esta iniciativa reuniu os três pioneiros de deep learning: Geoffrey Hinton da Universidade de Toronto, Yoshua Bengio da Université de Montréal e Yann Le Cun da New York University. E o orçamento anual para todos os programas da CIFAR é de apenas $25 milhões.

Dada a despesa global (privada e pública) em I&D de cada país, na casa dos mil milhões de dólares, esta experiência demonstra que, considerando a IA como uma área de investigação promissora para a nossa economia e para a nossa sociedade, então os governos e grandes empresas poderão ter um grande impacto sobre o futuro da IA, simplesmente redireccionando dezenas de milhões de dólares para esta área.

Ao mesmo tempo, podem contribuir para a manutenção de laboratórios públicos e universitários como epicentros da investigação de IA, complementando os importantes esforços liderados pelos gigantes digitais.