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DeepMind, o laboratório startup

TomMorisse

Artigo de Tom Morisse, research manager na FABERNOVEL INNOVATE Paris

Poucos anos após a sua criação em 2010, a DeepMind tornou-se na mais famosa startup de investigação dedicada à inteligência artificial. A sua ascensão foi acelerada depois de ter sido adquirida pela Google, em Janeiro de 2014, por 650 milhões de dólares. Mas também o facto de o seu programa AlphaGo ter sido capaz de vencer um dos melhores jogadores profissionais de Go, em Março de 2016, fez com que a DeepMind chamasse à atenção do público em geral.

Mais do que fazer as manchetes, na nossa opinião, a DeepMind resume a atual onda de investigação em torno da IA em três grandes formas, todas elas intimamente relacionadas com o facto de possuir uma natureza híbrida de startup & centro de investigação: conduz investigações de forma inovadora; explora um vasto leque de aplicações da IA; e os seus resultados dão origem a uma boa dose de questões existenciais.

1) A DeepMind aponta para uma nova forma (híbrida) de conduzir projetos de investigação complexos

A melhor forma de descrever a DeepMind é definindo-a como um laboratório startup, com um objetivo grandioso: “resolver a inteligência” e “usá-la para tornar o mundo um lugar melhor”. Na visão dos seus fundadores, a DeepMind é o melhor dos dois mundos, encontrando-se a meio caminho entre as instituições académicas e Silicon Valley. Segundo o co-fundador Mustafa Suleyman, a empresa está também imbuída nos “valores do setor público”.

A DeepMind é ainda comparada, pelo CEO e outro co-fundador Demis Hassabis, como o “programa de Apollo da IA”. A empresa reúne 250 cientistas, motivados por um turbilhão de fatores, incluindo uma elevada compensação, a capacidade de lidar com um conjunto diversificado de problemas extremamente complexos e a colaboração entre pares de elevado prestígio e de diferentes backgrounds (desde neurocitentistas a físicos).

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Escritório da DeepMind em Londres

Vale a pena referir que a Google deixou intacta a independência da DeepMind. Tal como atestam os balanços anuais, a margem de manobra é grande: teve despesas na ordem das 38 milhões de libras, em 2014, e de 54 milhões de libras, em 2015, e não gerou qualquer receita.

A DeepMind tem também uma natureza híbrida na abordagem científica, profundamente idiossincrática, que os seus investigadores têm em relação à IA. Demis Hassabis é o reflexo desta abordagem. Hoje com 40 anos, depois de se tornar num prodígio de xadrez infantil, fundou um estúdio de videojogos e tirou um doutoramento em neurociência computacional na University College London. Todo este background tem influenciado o trabalho da DeepMind, centrado no que chamam de deep reinforcement learning“: uma combinação de deep learning (inspirado na neurociência) e de reinforcement learning (utilizam, há muito tempo, um ambiente de videojogo para treinar os seus modelos).

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Plaforma de jogo 3D para treinar modelos de IA (@ Laboratório da DeepMind)

Por fim, a DeepMind visa o desenvolvimento de “sistemas de aprendizagem com propósito geral”. Ou seja, modelos que, contrariamente aos numerosos predecessores ou mesmo concorrentes, podem ser facilmente aplicados de uma área problemática para outra, o que dá azo a uma leque de possíveis casos de utilização.

2) A DeepMind demonstra a variedade de potenciais aplicações da IA

A natureza híbrida da DeepMind explica o porquê de esta estar interessada nos avanços da investigação, mas não (apenas) em prol da teoria per se. Como Mustafa Suleyman explicou numa entrevista recente, “tornar o mundo num lugar melhor” significa lidar com problemas urgentes como as alterações climáticas ou alimentar a população mundial. Para ser claro, a empresa ainda não sugeriu soluções – pelo menos publicamente -, mas esse é o seu objetivo final. O cargo de Suleyman de “Diretor de IA aplicada” comprova a busca por resultados tangíveis e não apenas uma ambição de atingir um esplendor académico.

Da leitura de lábios à síntese da fala e à produção de uma imagem, dos jogos Atari  aos jogos AlphaGo, os numerosos projetos de investigação da DeepMind englobam muitos dos sub-problemas com que a IA, tradicionalmente, lidou.

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Em Março de 2016, a AlphaGo desafiou Lee Sedol, mestre coreano no jogo Go, e ganhou

 

Até agora, duas áreas de aplicação têm sido exploradas pela empresa:

  • DeepMind Health é uma parceria de 5 anos com o sistema de saúde do Reino Unido para analisar as fichas clínicas dos pacientes, de modo a diagnosticar doenças precocemente.
  • DeepMind for Google é resultado de um esforço de colaboração com várias equipas, tais como o Google Play ou o Google Ads. Em 2016, a grande conquista foi a redução em 40% da fatura energética dos data centers da Google.
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A aplicação Streams, desenvolvida pela DeepMind, ajuda enfermeiros e médicos a obter informações relevantes, em tempo real, sobre os seus pacientes.

O que é atraente na DeepMind é o facto de não sabermos onde irão “atacar” a seguir, sobretudo porque têm o poder da Google por detrás do trabalho que desenvolve. Ou seja, o potencial acesso a uma quantidade massiva de dados e a infraestruturas de computação.

3) A DeepMind encarna todas as nossas inquietações relativas à IA

Com cada um dos seus sucessos, a DeepMind contribui para alargar os limites do que a inteligência artificial pode fazer… o que é, muitas vezes, interpretado como um enfraquecimento da preservação da humanidade. Afinal, o jogo milenar Go era suposto ser tão complexo que as máquinas não seriam capazes de nos desafiar por mais algumas décadas.

Numa visão, muitas vezes, partilhada sobre a inteligência quantitativa enquanto variável fixa, as vitórias do AlphaGo, inevitavelmente, questionam a nossa relevância. Daí que Gu Li, um dos jogadores profissionais de Go derrotado por uma nova versão do AlphaGo, em Janeiro de 2017, tenha expressado uma visão sombria do nosso futuro: “Não posso deixar de perguntar: Um dia, daqui a muitos anos, quando descobrires que todo o teu conhecimento, cognição e escolhas anteriores estão errados, continuarás a seguir o caminho errado ou rejeitar-te-ás?”.

Além disso, dada a enorme ambição e abrangência dos seus projetos de investigação, a DeepMind alimenta os medos sobre o que pode correr mal. Se a IA é realmente uma “meta-solução” (nas palavras de Hassabis), então também pode vir a tornar-se num meta-problema. Podemos supor que esta foi, provavelmente, uma das razões que levaram Elon Musk, depois de investir na DeepMind, a fundar a OpenAI, uma organização sem fins lucrativos cuja missão é construir uma IA num ambiente seguro e amplamente difundida.

Com a entrada na área de cuidados de saúde, a DeepMind também tem alimentado os receios sobre a privacidade, uma vez que treina e aplica os mais recentes modelos de IA com base em quantidades massivas de dados. A colaboração com o serviço de saúde do Reino Unido, por exemplo, dará à empresa acesso a dados relacionados com 1,6 milhões de pacientes, pelo que este projeto tem sido alvo de várias críticas por parte dos defensores da privacidade (este é o problema com os cuidados de saúde: é um setor de grande dimensão que carece de melhorias, mas que, ao mesmo tempo, é um dos mais sensíveis).

Vale a pena ressalvar que os líderes da DeepMind se preocupam com as consequências dos seus projetos e consideram que a confiança e o controlo da inteligência artificial são as questões centrais. O problema é que os seus esforços para amenizar os medos são por vezes contraproducentes. O caso mais flagrante – e, temos de admitir, um pouco engraçado – foi a criação de um conselho de ética cuja identidade dos membros não é revelada pela empresa.

A DeepMind tem ainda um longo caminho a percorrer em termos de transparência. Até a sua aquisição pela Google, em 2014, pouca informação estava disponível a seu respeito (uma landing page com os fundamentos). Ainda hoje, a DeepMind não divulga a vasta lista de investigadores que compõem a sua equipa, pelo que só nos resta ligar os pontos através dos autores de artigos publicados.

No entanto, à medida que a DeepMind continua a melhorar os seus modelos e a explorar questões ainda mais sensíveis, chegará a um ponto que terá de acabar com o secretismo. A verdade é que a empresa poderá dar um enorme contributo para a maturação da IA, tanto do ponto de vista técnico, como de debate social, tornando a IA num projeto global onde a transparência deve ser considerada uma parte necessária e não um obstáculo.

Conclusões

Enquanto promotora de influências, práticas, ambições e preocupações, a DeepMind inspira, de forma positiva e negativa, qualquer organização disposta a estruturar uma iniciativa de investigação ligada à inteligência artificial:

  1. É um esforço de equipa! Não se trata de recrutar uma série de indivíduos, mas, sim, uma equipa, que tenha como objetivo abordar os desafios mais complexos ao colaborar com os melhores. Pense sobre como pode alcançar este tipo de “efeito de rede” que atrai os melhores cientistas, num círculo virtuoso.
  2. Oferecer uma cultura de investigação singular. Os doutorados apreciam ambientes que combinam o melhor dos “ecossistemas” de investigação  que primam pela diversidade – a ambição e a atmosfera das startups, o interesse geral, o enfoque a longo prazo das universidades e o impacto e o alcance das grandes empresas.
  3. Incentivar a equipa de investigação a passar à aplicação. Os modelos contemporâneos de IA podem passar mais facilmente da fase de investigação básica para uma fase de prototipagem. Pode tirar proveito disto para, ao mesmo tempo,  desafiar a sua equipa de IA a abordar desafios ainda mais ambiciosos; e acelerar o teste e incorporação desta investigação nos seus serviços ou processos.
  4. A transparência não é negociável. Esteja pronto para permitir o livre acesso às suas atuais áreas de investigação e para publicar abertamente os principais resultados, bem como uma lista abrangente da sua equipa de investigação. Criar um conselho de ética cuja composição e resultados sejam públicos.

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