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Regulamentar a GAFAnomics: 5 pistas para “apanhar” as plataformas no seu próprio jogo

Após os resultados da investigação lançada pela Comissão Europeia sobre as potenciais práticas anti-concorrência das plataformas, indicamos neste artigo algumas pistas para uma regulação atualizada, capaz de responder à pressão dos desafios do, cada vez maior, domínio dos gigantes digitais. Como explicámos no estudo da FABERNOVEL “GAFAnomics 2ª Temporada”, as plataformas possuem 4 super poderes: magnético, tempo real, infinito e íntimo. É através da utilização destas vantagens competitivas que os reguladores podem “apanhar” as plataformas no seu próprio jogo. 

O modelo de negócio em plataforma, popularizado pelos GAFA (Google, Apple, Facebook e Amazon), já se alastrou aos quatro cantos do mundo. Foi responsável pela ascensão de novos gigantes digitais, como a Alibaba, na China, e de unicórnios (startups avaliadas em mais de mil milhões de dólares), como a Uber, que, atualmente, possui uma valorização recorde de 68 mil milhões de dólares.

O poder destes novos players provoca tanta admiração quanto apreensão: em menos de 20 anos, os GAFA tornaram-se gigantes industriais cuja capitalização bolsista conjunta supera 2,4 triliões de dólares.

Mais do que o seu domínio económico, a escala deste fenómeno é perceptível se contabilizarmos o tempo do nosso dia-a-dia que estas plataformas ocupam: o motor de busca da Google lidera quase 90% da pesquisa online; os sistemas operativos da Apple e da Google, juntos, estão em 96% dos smartphones no mundo; quase um terço dos dados consumidos no mobile têm origem na utilização do YouTube e do Facebook.

Plataformas: infra-estruturas da nova economia

Os GAFA conquistaram este poder ao oferecerem plataformas, infra-estruturas reais, construídas sob redes de comunicação físicas, que nos permitem estar permanentemente conectados e informados, exprimirmo-nos, movimentarmo-nos, comercializar, consumir, etc. Encontram-se ao serviço dos consumidores e empresas e assemelham-se, cada vez mais, a bens públicos, tendo como missão o cumprimento de um serviço, de certa forma, semi-público. A maioria dos unicórnios utilizou as estruturas desenvolvidas pelos GAFA, com o intuito de facilitar e acelerar o seu lançamento e crescimento. A Uber, por exemplo, criou a sua aplicação com recurso ao Google Maps, aos sistemas de pagamento Google Wallet e Apple Pay; e ao serviço de armazenamento e gestão de dados Amazon Web Services.

Um domínio económico que suscita preocupações

Os GAFA deram origem a uma nova economia dominada pelo modelo em plataforma – GAFAnomics. Mas esta nova Era não deixa de levantar questões relativamente ao domínio deste novo tipo de gigantes industriais. 

Em primeiro lugar, porque controlam o acesso aos utilizadores, o que faz com que as outras empresas estejam, inevitavelmente, sujeitas a uma posição de dependência. De facto, tanto a Google como a Apple podem decidir, unilateralmente, não distribuir uma aplicação, na Google Play e na App Store, respetivamente. E, por isso, têm o poder de “vida ou morte” das empresas, forçando-as a aceitar todas as condições de utilização, mesmo que por vezes abusivas.

A sua velocidade de evolução coloca as empresas sob permanente risco de verem alterados os termos de utilização. O impacto, por exemplo, de uma alteração ao nível do acesso a uma API ou ao funcionamento de um algoritmo de SEO, sem aviso prévio, pode impactar milhares de empresas em todo o mundo de um dia para o outro. 

Como prevenir o abuso permitido por esta posição dominante, tendo em conta que os próprios GAFA, muitas vezes, operam serviços que competem com os que eles próprios distribuem? Como, por exemplo, os serviços de pagamento através do smartphone e o streaming de música.

Para dar respostas a estas questões, a Comissão Europeia e as autoridades da concorrência de vários países estão a definir instruções para as práticas de concorrência da Google e do Facebook. Os Estados Unidos não ficaram atrás, tendo a Comissão Federal de Comércio iniciado uma investigação, no Outono de 2015, sobre as licenças de utilização do Android. A senadora democrata Elizabeth Warren considerou que o domínio da Google, Apple e Amazon é uma “ameaça à democracia”.

Do lado dos utilizadores, verifica-se que as plataformas têm, gradualmente, construído barreiras à saída, ao criar ecossistemas densos e protegidos pelo poderoso efeito de rede (o Facebook FreeBasics é um exemplo paradigmático: oferece um acesso gratuito a um número limitado de serviços Internet). Verifica-se também uma falta de transparência dos algoritmos e uma interpretação singular do direito à privacidade e direito do trabalho.

Num período marcado pelas elevadas taxas de desemprego, as plataformas on-demand de trabalho (Uber, TaskRabbit, Deliveroo …) podem representar uma lufada de ar fresco, ao trazer uma forma alternativa de criação de valor. Mas seremos nós capazes de evitar o risco associado ao empobrecimento sistémico dos cidadãos? Finalmente, a ascensão de plataformas induz uma comercialização desenfreada de todas as áreas da nossa vida, por outras palavras, uma pura vulnerabilidade às flutuações da lei da oferta e procura – tal como ocorre na Uber, cujo preço aumenta dez vezes mais em dias de mau tempo ou em eventos especiais.

As plataformas e as suas inovações estão, assim, na origem de novos modelos sociais, culturais, éticos, jurídicos e económicos, por vezes, em desacordo com as regras sociais coletivamente definidas, asseguradas pelas nossas instituições, nacionais ou europeias. Tais preocupações suscitaram a questão da necessidade de uma nova regulamentação, adaptada a estas plataformas que estão a transformar profundamente a maneira como bens e serviços são produzidos, compartilhados e distribuídos. 

Uma economia em plataforma ainda incompreendida

Regulamentar passa, em primeiro lugar, pela capacidade de identificar, claramente, anomalias que prejudicam o interesse geral da sociedade. Infelizmente, continuamos a ignorar o funcionamento específico das plataformas e a não medir o seu impacto na economia. Por outro lado, os GAFA e outras plataformas colocaram a análise quantitativa e qualitativa destes impactos no centro das suas preocupações, criando uma assimetria de informação que veio dificultar uma regulamentação justa.

Tal é evidenciado na definição das suas estratégias globais, para as quais contratam economistas. Este é o caso de Hal Varian, doutorado em Berkeley e Chief Economist Officer da Google, que criou o modelo de leilão do AdWords (fonte de mais de 90% da receita da Google) e que é responsável pela defesa da empresa perante a Comissão Europeia.

Nesta batalha dos dados e da sua respetiva análise, as plataformas e as instituições reguladoras não estão em pé de igualdade, uma vez que se encontram no território das plataformas. A regulação parece basear-se no ponto de vista das plataformas, deixando de parte muitas das questões que deveriam interessar aos reguladores:
– Quais são os mecanismos que governam os mercados bilaterais?
– Como diferenciar um consumidor de um produtor de valor nas plataformas?
– Qual é o real valor de mercado dos nossos dados e do nosso tempo?
– Qual é a magnitude do excedente de consumidores e das externalidades positivas, muitas vezes reivindicadas por estas plataformas?

A lógica por trás da citação de Mark Zuckerberg Code wins arguments deverá, agora, ser também aplicada à regulamentação. Regulamentar as plataformas é, acima de tudo, compreender como funcionam, evitar posições ideológicas que lhes dizem respeito e estabelecer convicções comuns sobre os seus modelos. Ser capaz de quantificar o seu impacto na sociedade e de compreender o seu funcionamento é uma necessidade democrática na Era digital. Só depois disso será possível a uma instituição, independentemente do seu espetro de responsabilidade, identificar os principais desafios face à ascensão destes novos gigantes e implementar medidas de regulação apropriadas e eficazes.

Devemos tornar isto visível para poder regulamentar.

Plataformas como inspiração para regular

Tal como mostrámos nos estudos GAFAnomics 2ª Temporada e Uber: O vírus dos transportes, na génese do domínio das plataformas está uma estrutura única: são redes  globais que ligam produtos, serviços, informações e utilizadores.

Uma vez que o modelo de criação de valor centralizado predomina na nossa economia, as plataformas beneficiam de 4 novas alavancas de competitividade (super poderes), que estão na origem do seu ritmo de crescimento nunca antes visto, de uma adoção quase universal e de uma acumulação de riqueza, aparentemente, sem limite.

Estas alavancas ou “super poderes” são, essencialmente, um quadro estruturante que permite vislumbrar os abusos que podem emergir da economia das plataformas. Mas também são uma fonte de inspiração para as instituições que desejam renovar a abordagem à regulação. Quais são esses poderes e como é que as instituições se podem inspirar para tornar visíveis os modelos e potencial danoso destas plataformas?

#1. Ser um regulador “magnético”

As plataformas não mobilizam apenas recursos internos para capturar e re-distribuir  valor, dependem de uma ampla rede externa, composta por vários indivíduos, inclusive profissionais, e exploram, entre outras coisas, a “capacidade em excesso” para criar valor. São magnéticas.

Para aumentar o nível de compreensão sobre esta nova economia, os reguladores devem apoiar-se numa extensa rede de colaboradores, criando, por um lado, uma parceria duradoura com os utilizadores, através da implementação de mecanismos de identificação de práticas abusivas (semelhantes aos utilizados pelo Facebook e pelo YouTube). E, por outro lado, associando-se àqueles que estudam estas plataformas, desde académicos, a startups ou empresas de consultoria especializadas  na nova economia, como a FABERNOVEL. Ou seja, um movimento que o presidente da ARCEP, Sébastien Soriano, define como “crowd-regulation“. 

É necessário promover um estudo contínuo e aberto, de forma a recolher análises valiosas sobre estas plataformas. O apelo à contribuição lançado pela ARCEP e o inquérito divulgado pela Comissão Europeia constituem um primeiro passo para a criação de tal processo colaborativo com vista a aumentar o nível de conhecimento sobre estas plataformas. 

# 2. Ser um regulador em “tempo real”

As plataformas suportam-se na análise de dados em tempo real e a programação é o cerne do seu desenvolvimento, permitindo otimizar a oferta e a procura, e consequentemente, melhorar o serviço de forma instantânea. Estão em versão beta perpetuamente. 

Da mesma forma, os órgãos reguladores devem desenvolver indicadores relevantes para quantificar os efeitos das plataformas. Já aqui mencionámos a necessidade de avaliar o valor dos dados e do tempo num mercado globalizado. A consideração de novos indicadores levanta também a questão de novas definições relativas a uma posição dominante:
– Qual é a percentagem de tempo detida pelos players no nosso percurso digital (estima-se que os GAFA controlam 51%)?
– Qual a percentagem dos nossos dados pessoais que está sob o controlo das plataformas e inacessível a outras empresas?
– Como funcionam os algoritmos de recomendação e de seleção?
– Como quantificar a discriminação?
Estas questões necessitam de ser estudadas a fundo para ser possível   estabelecer um quadro regulamentar estável e coerente.

Finalmente, para responder de forma eficaz à rápida evolução das plataformas, é necessário que as entidades reguladoras disponham de processos de desenvolvimento ágeis, que permitam criar e testar com rapidez os indicadores e os dispositivos de regulação apropriados. Uma vez instalada no mercado com uma posição de liderança aproximada a um monopólio, é muito difícil desalojar a plataforma, como nos mostra a condenação da Microsoft, com uma pena que fez pouca “mossa”, no nascer do novo milénio. 

Como antecipar a criação de uma situação de monopólio antes que se torne um facto? O estudo das dinâmicas de crescimento destas empresas fornece respostas a esta questão, crucial para um regulador eficaz no século XXI.

# 3 Ser um regulador “infinito”

As plataformas fornecem bens com os quais não se rivaliza e cujo valor aumenta consoante o número de utilizadores. Graças aos efeitos de rede e custos marginais perto de zero, beneficiam de um crescimento exponencial uma vez que atingem uma massa crítica. São infinitas.

A fim de multiplicar os efeitos e o impacto da regulamentação, as autoridades nacionais e europeias devem estabelecer um sistema de regulação transversal. Uma vez que o âmbito das plataformas levanta questões relativas à infraestrutura (prerrogativa da ARCEP, em França), à concorrência (Autoridade da Concorrência), à gestão de dados pessoais e privacidade (responsabilidade da CNIL) e à proteção do consumidor (ao abrigo da DGCCRF). A transnacionalidade das plataformas levanta as mesmas questões em toda a União Europeia, sendo, portanto, uma responsabilidade que cabe aos órgãos comunitários.

As plataformas esbatem as fronteiras entre nações, indústrias e direitos, o que faz da regulação um silo obsoleto. Pelo que é necessário que as instituições se coordenem para estudar e regulamentar estas plataformas, através da partilha do seu conhecimento especializado, que, hoje, está desfasado. 

Ao automatizar o mais possível a observação da atividade destes players e ao atualizar os indicadores, o regulador pode regular de forma eficaz, a um custo moderado.

# 4. Ser um regulador “íntimo”

As plataformas utilizam os dados pessoais dos seus utilizadores para oferecer uma experiência única e personalizada, Estabelecendo relações íntimas e de longo prazo com os clientes.

Numa dinâmica semelhante, os órgãos reguladores devem incorporar no seu âmbito de análise uma abordagem centrada no utilizador e implementar ferramentas de avaliação das plataformas para empresas e para particulares. Apesar de a App Store permitir o rating das apps, disponibiliza pouca informação ao regulador. A classificação de 4/5 do Airbnb, por exemplo, abrange uma mistura indiferenciável de avaliações ao design da aplicação, à experiência dos proprietários e dos inquilinos, etc. 

Por isso, é necessário desenvolver sistemas de recolha de experiências, qualificados, capazes de compreender com precisão as necessidades e problemas dos utilizadores. Neste contexto, o CNNum (conselho digital francês) recomenda, por exemplo, a criação de agências de rating com base no crowdsourcing.

Ao recolher feedback, o mais próximo possível do mercado, sobre os benefícios e  os perigos das plataformas, tais ferramentas permitem definir uma regulação personalizada e adequada.

Já no que toca à privacidade, esta é também uma preocupação das plataformas, que criam uma regulação adaptável a modelos ​​que, embora pareçam semelhantes, utilizam métodos competitivos muito diferentes. As respectivas estratégias de desenvolvimento do iOS e Android são, sem dúvida, o melhor exemplo.

A utilização destes 4 poderes pode permitir aos reguladores entender melhor o impacto das plataformas, alavancando o conhecimento disponível, monitorizando a sua evolução em tempo real e identificando as necessidades dos cidadãos.

Só é possível às instituições nacionais e europeias implementar iniciativas regulatórias concertadas e apropriadas se compreenderem aprofundadamente os mecanismos de funcionamento destas plataformas e as implicações sociais dos seus efeitos económicos.

Conclusão. A 5ª pista: estimular a multiplicação das plataformas

A contínua expansão das plataformas está a dar origem a um novo capítulo na sua história: uma batalha feroz, na qual estão condenadas a “atacar” os mesmos mercados para promover o seu crescimento.

Nesta busca por uma expansão sem limites, não estarão as plataformas em vias de tornar-se nos mesmos impérios económicos que criticaram e derrubaram no seu processo de ascensão? Por que razão a história não irá, uma vez mais, levar à emergência de novos players capazes de tomar os seus lugares? Será que a história dará razão à destruição criativa de Schumpeter ou, com a velocidade do digital, caminhamos até ao seu pior pesadelo: um capitalismo extremamente financiado e hiper-concentrado? A emergência da inteligência artificial promete intensificar o domínio dos GAFA sob as nossas vidas e indústrias. É uma ótima altura para agir antes que seja tarde demais.

Seguindo a teoria económica dominante depois do fim do século XX, surge uma situação de competitividade, que se afirma como a melhor garantia da criação de uma economia “saudável” das plataformas e que vai ao encontro das preocupações dos cidadãos e das empresas. A regulação ganha forma através da multiplicação das alternativas. Por isso, fará sentido desenvolver um sistema de avaliação das plataformas se não existem verdadeiras alternativas aos gigantes atuais?

A garantia de uma portabilidade fluída de dados de uma plataforma para outra é, provavelmente, a pedra basilar para a emergência de alternativas, permitindo aos utilizadores importar facilmente as suas fotografias e contactos do Facebook para uma rede concorrente; ou aos vendedores da Amazon exportar os seus catálogos de produtos para uma plataforma concorrente.

Também as regras que regem as fusões e aquisições devem ser revistas de forma a ter em conta as sinergias geradas pelos efeitos de rede, demasiado poderosas. Seria o Facebook tão dominante se o WhatsApp e o Instagram tivessem continuado a desenvolver-se de forma independente deste gigante? Provavelmente, não.

Para permitir a emergência de alternativas, é indispensável que o regulador coloque o seu conhecimento acumulado sobre as plataformas e respetivo funcionamento, à disposição dos cidadãos, de forma a permitir-lhes criar ou, pelo menos, escolher melhor entre estas plataformas.

A regulação implica uma escolha. E a principal responsabilidade das nossas instituições é permitir a emergência da mesma. 

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