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Economia da Inteligência Artificial para totós

Tom_Morisse

Artigo de Tom Morisse, research manager na FABERNOVEL Paris

A nova Era da inteligência artificial levanta várias questões abrangentes sobre o futuro da economia. Mas (tentar) dar-lhes resposta imediata não é aconselhável: antes de mergulhar em questões como o emprego e a desigualdade, é importante perceber os principais conceitos que os economistas utilizam para moldar as suas controvérsias científicas. É preciso falar “economês” para avaliar o impacto da inteligência artificial. Aqui fica um guia de conversação. 

Durante a leitura deste artigo, poderá ficar surpreendido por não encontrar as palavras “inteligência artificial”  ou termos relacionados. Isto porque o atual boom da inteligência artificial é demasiado recente para ter dado origem as novos conceitos ou escolas de pensamento. Neste momento, dominar a economia da inteligência artificial significa potenciar termos derivados da análise económica da Revolução Industrial e da Era digital.

Pode sugerir outras noções económicas que gostasse de ver definidas. Envie-me um e-mail e farei o update deste artigo 🙂


Estatísticas e Econometria

Valor nominal/real: os economistas fazem uma distinção entre os termos nominais e reais. Os termos nominais são expressos nos preços correntes, enquanto os termos reais são expressos nos preços constantes. A diferença tem uma importância enorme porque os termos reais “apagam” o impacto da inflação.

Vejamos um exemplo: se em 2016 o seu salário aumentasse 10% seria algo bom? Depende do aumento dos preços, em paralelo. Se a inflação for superior a 10%, significa que o seu salário real diminuiu e que o poder de compra diminuiu. Se a inflação ficar abaixo dos 10%, significa um aumento no salário real e que o poder de compra aumentou.

O estudo da evolução dos indicadores dos valores reais permite aos economistas avaliar o verdadeiro impacto do desenvolvimento tecnológico.

Taxa de desemprego / taxa de atividade laboral / taxa de emprego: infelizmente, mas sem surpresa, esta série de termos confunde muita gente. A taxa de desemprego que costumamos ouvir falar em estatísticas oficiais é o rácio de pessoas desempregadas dividido pela população total ativa (= número de pessoas com trabalho – empregadas – ou à procura de trabalho – desempregadas).

No entanto, está longe de ser o único valor relevante para compreender o estado do mercado do trabalho. Existem outros 2 indicadores importantes:

  • Taxa de atividade laboral = população total ativa / população em idade ativa (geralmente, a população entre os 15 e os 64 anos, mas é possível recolher estatísticas com base em outros grupos de idade).
  • Taxa de emprego = número de trabalhadores com emprego (excluindo os desempregados!) / população em idade ativa.

Porque é que esta distinção é crucial? Porque não é impossível que, por exemplo, a taxa de desemprego e a taxa de emprego aumentem ao mesmo tempo! Esta situação pode emergir se o número de trabalhos aumentar mais rápido do que a população, mas menos do que a população total ativa.

Média / mediana: quer a média, quer a mediana são utilizadas para calcular o valor “central” de um conjunto de dados.

A média de uma variável é a soma dos valores medidos dividida pelo número de medidas. Um exemplo vale mais do que mil palavras: se 5 colaboradores auferirem salários de 30, 35, 40, 45 e 50 dólares, respetivamente, a média salarial é (30 + 35 + 40 + 45 + 50) / 5 = 40 dólares.

A mediana é o valor que divide a população em duas metades iguais. Como no nosso exemplo existem 5 valores, a mediana é o terceiro valor (quando as medidas estão distribuídas de forma crescente): isto é, 40 dólares.

A média e a mediana de uma população estatística nem sempre é igual! Imaginemos que adicionamos mais um colaborador com uma salário de 100 dólares. A média passa a (30 + 35 + 40 + 45+ 50 + 100) / 6 = 50 dólares, enquanto a mediana é agora 42,5 dólares (se o número de observações for par, utiliza-se a média dos dois valores centrais para calcular).

Vemos que a mediana é uma medida mais robusta porque é menos afetada por casos particulares  – mas nem sempre é possível calculá-la, uma vez que é necessária toda uma classe de observações.

Para as medições de desigualdade é, geralmente, utilizada a mediana como um indicador de escolha.

Quartil / decil / percentil: quartil, decil e percentil referem-se aos valores das observações que separam o conjunto de dados em 4, 10 e 100 partes iguais, respetivamente. São sempre distribuídos da mesma forma: no que toca à distribuição de salários, por exemplo, numa determinada população, quanto maior for o decil, mais rico será.

À semelhança da mediana, o quartil, decil e percentil são utilizados para avaliar o nível de desigualdade. Para avaliar a distribuição de salários acima mencionados, um indicador comum calculado é o rácio interdecil (D9/D1): o salário acima que pertence aos 10% superiores dividido pelo salário abaixo que pertence aos 10% inferiores. Quanto maior este rácio, mais desigual é a distribuição.

Controlar a variável: os economistas constroem modelos para encontrar correlações significativas (e, se possível, ligações causais) entre variáveis. A variável dependente é a que vai querer explicar (exemplo: produtividade por colaborador na empresa), variáveis independentes são aquelas que utiliza como potenciais razões para as variações do anterior (exemplo: quota de colaboradores mais qualificados, investimento nas TIC por colaborador).

Quando lê num paper económico “controlámos a variável X” quer, simplesmente, dizer que os investigadores incluíram X como uma variável independente no seu modelo. Porque é que o controlo de variáveis é uma grande preocupação para os economistas? Porque queremos evitar que o modelo seja “poluído” por outros factores explicativos.

Voltemos ao nosso exemplo: se quiser avaliar o impacto das competências de um grupo de trabalho de uma empresa e a importância das TIC neste grupo de trabalho ao nível da produtividade, é provável que queira controlar o nível salarial. Isto porque existe, provavelmente, uma correlação entre o salário e a produtividade, mas não é o que está a querer medir. Por isso, é necessário incluir isto explicitamente no modelo para obter uma estimativa “pura” do impacto das outras variáveis, aquelas em que está realmente interessado.

Inovação e crescimento

Produtividade: tal como o INSEE (instituto nacional de estatística francês) explica, a produtividade é definida como “o rácio, em volume, entre a produção e os recursos utilizados para obter essa produção“. Os dois fatores principais, geralmente, considerados são o capital (máquinas, por exemplo) e o trabalho (tempo despendido pelos colaboradores a trabalhar).

A produtividade do trabalho é, frequentemente, medida dividindo a produção pelo número de horas de trabalho, ou pelo número de colaboradores. E uma vez que uma produção é medida durante determinado período, a injeção de capital relacionada deve também ser medida pelo mesmo período de tempo: é por isso que a produtividade de capital não é obtida dividindo a produção pelo stock de capital (isto é, valor dos ativos utilizados para a produção), mas sim dividindo a produção pelo fluxo daquilo que é apelidado de serviços de capital (exemplo: em vez de utilizar o valor de um imóvel como injeção de capital, medir a renda equivalente que teria de pagar ou que poderia derivar desse imóvel).

A produtividade total de fatores (PTF – ou produtividade multifatorial) é uma noção extremamente importante quando se está a avaliar o impacto da inovação no crescimento: representa a variação da produção que não é tida em conta pela variação da mão-de-obra, nem pela variação da injeção de capital. A PTF é, assim, atribuída aos efeitos das inovações tecnológicas ou organizacionais.

À decomposição da taxa de crescimento do Produto Interno Bruto em contribuições distintas de diferentes investimentos chamamos de contabilidade do crescimento.

Estagnação Secular: a tese de que nas próximas décadas será impossível atingir as taxas de crescimento económico de meados do século XX, utilizando estatísticas históricas como um ponto de partida (de facto, as taxas de crescimento de meados do século XX parecem ser hoje inalcançáveis):

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Os factores explicativos sugeridos variam: muitos baseiam-se nas causas das políticas monetárias, mas alguns especialistas apontam para um impacto menor das novas tecnologias no crescimento económico (os efeitos da máquina a vapor ou da eletricidade, por exemplo, foram muito mais significativos do que o advento dos computadores e da Internet).

O economista Robert Gordon, defensor da tese de Estagnação Secular, destaca 4 obstáculos nos próximos 25-40 anos:

  1. Demografia: nos anos 2000, a taxa de atividade laboral começou a decrescer.
  2. Educação: a transição da população para o ensino superior foi concluída.
  3. Aumento da desigualdade de rendimentos.
  4. Aumento da dívida governamental (em parte do PIB).

Gordon diminui os argumentos dos otimistas tecnológicos. Na sua visão, a taxa de progresso tecnológico não será mais rápida do que a que se verificou nos últimos anos e as forças tecnológicas não terão sucesso a contrabalançar este 4 grandes obstáculos económicos.

Paradoxo da produtividade: esta noção está relacionada com a teoria da Estagnação Secular. E, realmente, podemos vê-lo como o seu precursor. Como a Wikipédia define na perfeição, “o paradoxo da produtividade refere-se ao abrandamento do crescimento da produtividade nos Estados Unidos nos anos de 1970 e 80, apesar do rápido desenvolvimento na área das tecnologias da informação no mesmo período“.

Alguns explicam o paradoxo da produtividade lembrando os ganhos de produtividade mais importantes que foram conseguidos através de inovações anteriores, como a electricidade. Outros argumentam que os indicadores económicos tradicionais falharam no aproveitamento dos benefícios derivados da contínua revolução de IT (para além da descida dos preços, a melhoria da qualidade dos produtos).

Instituições: o economista Douglas North define instituições como “as regras do jogo numa sociedade ou, mais formalmente, os constrangimentos humanamente concebidos que moldam a interação humana“. Em termos gerais, as instituições são assim estruturas abrangentes e flexíveis de uma economia. Podem ser económicas (relações comuns cliente-fornecedor entre as empresas; sistemas de direitos de propriedade, por exemplo), sociais (estrutura familiar típica) ou políticas (sistema de voto).

Os economistas da inovação estudam, cuidadosamente, instituição para perceber quais são mais propícias à inovação e ao crescimento. Por exemplo, que sistema conduz a uma maior inovação entre patentes estritamente impostas em Silicon Valley, por um lado, e a cultura shanzhai de imitação na capital da eletrónica que é Shenzhen, por outro?

Externalidade:uma externalidade é o custo ou benefício que afecta uma parte que não escolheu ter esse custo ou benefício” (obrigado, novamente, Wikipedia); pode ser positiva ou negativa.
As externalidades negativas são quase sempre ilustradas com problemas ambientais, como, por exemplo, uma fábrica que despeja resíduos tóxicos num rio gera externalidades negativas para o sistema de irrigação ou para os pescadores.
As externalidades positivas estão mais relacionadas com a inovação: uma empresa que desenvolve um programa de software, por exemplo, para uso interno e que, mais tarde, torna-o num projecto open-source, cria externalidades positivas para todos os outros indivíduos ou organizações que o vão reutilizar gratuitamente.

Empresas na fronteira: em estudos sobre inovação e diferenças de produtividade entre empresas, este termo pode ser enganador. O nome ou adjetivo “fronteira” é um conceito relativo que se refere às empresas que são mais inovadoras ou produtivas (as 10% mais importantes). Por isso, não deve ser interpretado como uma referência absoluta, ou seja, empresas que impulsionam um determinado conjunto de tecnologias de ponta. Mesmo que, claro, seja expectável que as empresas mais produtivos sejam tecnologicamente mais avançadas do que as suas concorrentes.

Tecnologia de propósito-geral (TPG): uma tecnologia com 3 características-chave:

  1. “Omnipresença – a TPG deve estender à maioria dos setores.
  2. Melhoria – a TPG deve melhorar ao longo do tempo e, por isso, continuar a diminuir os custos para os seus utilizadores.
  3. Catalisador de inovação – a TPG deve facilitar a criação e produção de novos produtos ou processos” (sumário de Bojanovic & Rousseau).

A máquina a vapor, o motor elétrico e os computadores são exemplos de TPGs. Existem 2 questões centrais sobre as TPGs: que tecnologias podem ser consideradas como tal? e quão importantes são as TPGs para o crescimento económico?

Comercializável / não-comercializável: os bens e serviços comercializáveis podem ser produzidos num local e ser consumidos noutro (como os carros, por exemplo), quanto os não-comercializáveis têm de ser produzidos e consumidos no mesmo local (como um cabeleireiro, por exemplo). Esta distinção é crucial para avaliar o impacto da globalização nas economias nacionais. E no que toca à inovação, a questão multimilionária é: Quão contribuem estas tecnologias para tornar bens e serviços não-comercializáveis em comercializáveis? (pense na telemedicina).

Grande Recessão: termo utilizado pelos economistas para descrever a recessão que ocorreu em 2007-08, no início da crise financeira. No Estados Unidos, durou de dezembro de 2007 a junho de 2009. É considerada a recessão mais severa desde a Grande Depressão de 1930.

Mercado de trabalho

Capital humano: uma teoria-chave empregada pelos economistas para analisar a evolução do mercado de trabalho e a produtividade, que refere que “os indivíduos possuem um vasto leque de competências e atributos que lhes permite regressar ao mercado de trabalho. As competências são duradouras, dependentes de contexto [isto é, o valor das competências depende do setor, da evolução das tecnologias, o que pode ser complementar ou substituto], e ‘respondem’ ao investimento [isto é, investir no conhecimento leva à criação de competências superiores e complementares], que são algumas das propriedades-chave do capital físico tradicional“. (Eric Nielsen)

As diferenças no capital humano são, assim, utilizadas na definição de diferentes salários ou níveis de emprego dentro da mão-de-obra.

Mutações tecnológicas que favorecem as competências ou Skill-Biased Technical Change (SBTC): enquanto a economia, normalmente, considera as mudanças técnicas como neutras no que concerne à procura por vários níveis de qualificações, o pressuposto SBTC indica uma transformação no impacto das novas tecnologias nas últimas décadas: as tecnologias são agora altamente complementares às qualificações, e por isso favorecem a procura por colaboradores com qualificações em detrimentos dos que não as possuem (sendo as qualificações, geralmente, medidas através do percurso educacional).

Competência premium: esta é a diferença entre salários de colaboradores com qualificações e sem qualificações. Considera-se, em termos gerais, que a competência premium se alastrou ao longo das últimas décadas, sendo a SBTC apontada como o fator principal.

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