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Interfaces vocais: a guerra dos GAFA joga-se na sua sala

Artigo de Guillaume Gombert, Lead Strategist na FABERNOVEL Paris

Não pense que já foi tudo revelado sobre a guerra dos GAFA (Google, Apple, Facebook e Amazon) e sobre as suas assistentes virtuais. Proponho uma nova perspetiva, em vez de olhar para estas colunas inteligentes como objetos puramente tecnológicos, olhemos para elas como armas estratégicas. Isto porque não nos podemos esquecer que os GAFA só procuram conquistar novos territórios para conquistar novos utilizadores – nós.

Durante algum tempo, os GAFA evoluíram em territórios bem delimitados: a Google na pesquisa, a Amazon no e-commerce, o Facebook nas redes sociais e a Apple no entretenimento.

Fonte: GAFAnomics / FABERNOVEL

Eis que as cortinas de ferro que separavam estes gigantes começaram a cair e as suas próprias fronteiras a esbaterem-se. Desde então, têm travado batalha atrás de batalha em setores tão variados como a saúde (Calico, Apple HealthKit), as telecomunicações (Google Fiber, WhatsApp), o software (iOS, Android), o hardware (Google Pixel, iPhone), a venda online (Google Shopping, Facebook Marketplace, Amazon.com), o entretenimento (Amazon Prime Video, Apple Music, Youtube), a banca (Apple Pay, Google Wallet), a mobilidade (Apple Car, Android Auto)…

Em todas estas frentes, os GAFA estão a utilizar uma das suas armas mais temíveis, a sua inteligência artificial (IA). E o grande combate decisivo é na criação das suas assistentes virtuais, com colunas inteligentes que materializam estes companheiros de vida pessoal ou profissional.

Fonte: CNET

Sobre este tema, já muito foi dito. Poderia fazer mais um benchmark para comparar a Alexa (Amazon), a Siri (Apple), a Google Assistant ou a Cortana (Microsoft)… e depois disso eleger o melhor, mas isso não iria acrescentar nada de novo.

Um confronto emocionante

Apesar de tudo, ainda há muito a dizer desta epopeia. Quanto é que as assistentes virtuais pesam no futuro dos GAFA? Qual o papel nas suas estratégias de expansão? E na visão do mundo?

As assistentes virtuais são numerosas e difíceis de abordar num simples artigo. Por isso, realizei uma sondagem junto dos meus colegas da FABERNOVEL para identificar os dois principais guerreiros que, segundo eles, são os mais relevantes:

Para si (em quanto utilizador, programador, designer, analista), qual é a melhor assistente virtual e porquê? Fonte: FABERNOVEL

Entre as respostas, uma esmagadora maioria prefere a Google Home, com a Google Assistant, os restantes votos são para a Amazon Echo com a sua assistente Alexa. Um resultado em contra-corrente? Impressionante, de qualquer forma, quando sabemos que hoje a Amazon é a líder de mercado das assistentes virtuais.

Google Home vs Amazon Echo, ou David contra Golias

Um estudo comparativo das quotas de mercado não deixa margem para dúvidas. De um lado do ringue, Golias – a Amazon Echo, lançada em novembro de 2014. No fim de 2017, representava 71% da quota de mercado nos Estados Unidos; no verão de 2018 caiu para 63%. O seu desafiador, David – a Google Home, lançada em 2016 – que tirou o tapete ao seu adversário, apostando na exportação, e conquistando a Europa.

Na realidade, a luta entre a Amazon Echo e a Google Home antecipa-se bastante dinâmica por duas razões. Primeiro porque o crescimento anual da Google Assistant é explosivo e conquista cada vez mais quota de mercado à Amazon Echo; e depois porque a Google Home dispõe de um “cérebro”… bem melhor.

Comparação de quotas de mercado entre 2016 e 2019 Verde: Amazon Echo // Vermelho : Google Home // Azul: outros Fonte: raconteur

Algumas previsões para 2022 apontam para uma inversão no pódio, com a Google a representar 48% de quota de mercado contra 37% para a Amazon. Mas porque é que estes prognósticos são favoráveis à Google?

Não confundir o cavaleiro e a armadura

É certo que a Amazon lançou a sua coluna de voz dois anos antes da Google. Mas isso é apenas o hardware das assistentes virtuais, porque por detrás existe um cérebro – um software – bem diferente. E é neste terreno que a Google se distingue, porque, desde 2012, tem apostado no desenvolvimento de uma IA capaz de interagir com o ser humano.

Trata-se, por isso, menos de uma guerra de hardware mas sim de uma batalha de software, na qual a Google dispõe de uma dupla vantagem: o seu sistema operativo e o seu motor de busca.

  • O sistema operativo da Google está em mais de 400 milhões de dispositivos (colunas, mas também smartphones, automóveis, televisões, auscultadores….) ou seja, estamos a falar de milhares de milhões de dispositivos e utilizadores.
Fonte: Actions on Google
  • O motor de busca da Google contabiliza perto de 3,5 mil milhões de pesquisas por dia – sem contar com a miríade de serviços sobre os quais a Google Assistant pode apoiar-se (YouTube, Gmail…).

Como agrega e analisa dados de uma vasta base de utilizadores mais “faladores”, a Google Assistant parece estar melhor treinada. É fácil de perceber isto quando utilizamos a pesquisa da Amazon.com ou da Google.pt. No site da Amazon, apenas escrevemos palavras-chave (“chavena café”), enquanto que na Google já escrevemos sob forma de frase (“caneca de café para oferecer”). Com uma consequência notável:

Porquê a Google Assistant? Porque faz boas piadas Fonte: FABERNOVEL

Como reconhece o contexto de pesquisa, está treinada para compreender a linguagem natural, a Google Home sabe fazer humor. Sinais de inteligência ou ilusão de humanidade? Seja como for, parece que as piadas são uma arma de peso nesta batalha!

Colunas aparentemente comparáveis, mas motivações estratégicas distintas

Para compreender a razão de ser da Alexa e da Google Assistant, analisemos as estratégias da Amazon e da Google respetivamente.

Quem é a Amazon? Um gigante do e-commerce, cujo o objetivo é vender coisas aos seus clientes e fidelizá-los o mais possível. Eis o que diz o seu fundador e CEO, Jeff Bezos (tradução livre):

“O business model da nossa assinatura de vídeo é pouco usual. Mas quando se ganha um Globo de Ouro, por exemplo, vendemos mais sapatos. De forma direta. Os assinantes do Amazon Prime compram muito mais do que os não assinantes. Uma das razões é o facto de terem pago um valor anual e, por isso, questionam-se: ‘Como posso tirar o máximo partido desta assinatura?´ Visitam muito mais categorias do site e compram mais. Este tipo de comportamento é muito vantajoso para nós enquanto empresa. Os clientes consomem mais serviços.” 

Resumindo de uma forma simples, a Amazon apenas lança produtos ou serviços para aumentar o número de subscritores Prime. Comparável a um programa de fidelização pago (99 dólares/ano nos Estados Unidos, 49 euros/ano em França, 19,95 euros/ano em Espanha), o Amazon Prime oferece aos seus membros entregas gratuitas, ilimitadas, assim como o acesso a inúmeros serviços: e-books, streaming de filmes e músicas, vendas privadas, espaço em cloud…

Este clube tem mais de 100 milhões de assinantes no mundo (em 2018), que compraram mais de 5 mil milhões de produtos em 2017:

Fonte : Statista

E a aposta continua a ser dar mais razões para ser um assinante Amazon Prime e vender mais. A aquisição dos direitos de adaptação d’O senhor dos anéis, por 250 milhões de dólares (para a criação de uma série para o Amazon Prime Video), ou ainda a criação de um fundo de 100 milhões de dólares de capital de risco, o Alexa Fund, para incitar os developers a criarem aplicações compatíveis com o Amazon Echo, são exemplos.

E o retorno do investimento é real. Considerando apenas as receitas da subscrição anual, os 100 milhões de membros do Amazon Prime geram 18 mil milhões de receitas. Vale a pena alguns investimentos no Amazon Echo…

Receita de subscrição do Amazon Prime. Fonte: Forbes

A Amazon não foi apenas bem sucedida na venda de colunas inteligentes. 40% das pessoas que têm uma [Amazon Echo] compram mais na Amazon“. 

Quanto à Google, é uma empresa de tecnologias. Foi fundada por 2 engenheiros que tinham como objetivo indexar e organizar toda a informação para a tornar acessível.

De forma mais simples, a empresa-mãe da Google, a Alphabet, posiciona-se como um criador de infraestruturas para o mundo digital: Google AdWords para a publicidade, Google Maps para a mobilidade, Google Fiber ou o Loon para a conetividade à Internet, Sidewalk Labs para o urbanismo, Google Wallet para os pagamentos, Nest para a domótica, YouTube para o streaming…

Fonte: Fredcavazza

A Google é agnóstica do ponto de vista tecnológico ou setorial. A empresa oferece um leque de serviços que permite a qualquer player criar serviços para os seus clientes. É sem dúvida o que pensou o nosso colega Julien quando respondeu à nossa sondagem:

Porquê Google Assistant ? Porque é Google Fonte: FABERNOVEL

Numa batalha, também é necessário ter aliados

Talvez seja a rede de parceiros – ou o “ecossistema” – o mais importante para difundir esta nova tecnologia. Porque para além da tecnologia que se pode sempre melhorar, é o posicionamento da Amazon e da Google relativamente aos seus potenciais parceiros que pode fazer mexer a balança.

A Amazon está em concorrência direta com várias marcas, em vários setores. Neste contexto, torna-se difícil incentivar as marcas a utilizar a sua assistente virtual quando a Google, que está fora desta competição, também tem uma solução. Carrefour ou Walmart, por exemplo escolheram a infraestrutura da Google Home para se lançarem no “v-commerce” (entenda-se “vocal-commerce”).

Quanto maior for o número de utilizadores de uma assistente virtual, mais as marcas apostam na criação de serviços compatíveis com esta tecnologia para chegar aos seus clientes, tornando assim a assistente virtual mais atrativa para novos utilizadores. Entre a Amazon e a Google, a que conseguir o ecossistema mais pertinente ganhará a aposta. É a opinião do nosso colega Bruce:

Porquê Google Assistant ? Por causa do ecossistema. 
Fonte: FABERNOVEL

Conclusão: vem aí uma revolução “vocal”?

Falamos hoje de revolução digital, um adjetivo que nos lembra que utilizamos os nossos dedos para interagir com os serviços. Então, deveríamos antever, nesta guerra de assistentes virtuais, uma revolução “vocal”. Seja em casa, no trabalho ou no automóvel, amanhã será a voz que irá comandar o nosso mundo conectado.

Finalmente, quem ganhará esta guerra que se joga nas nossas casas, entre as fotos de família e o microondas? Será o Amazon Echo, o detentor do título de campeão, ou o Google Home, obstinado em ocupar o primeiro lugar no pódio? Alguns prognósticos apontam que a Google acabará por vencer, como David contra Golias, graças às suas armas: o seu potencial ecossistema, a sua infraestrutura “as-a-service” para desenvolver assistente virtuais… e as suas piadas, claro.