Artigo de Abderrahmane Chaoui, Lead Strategist na FABERNOVEL
Quando a maioria dos países desenvolvidos do Ocidente ou da Ásia enfrenta uma desaceleração demográfica marcada pelo envelhecimento da população e uma inversão da pirâmide etária, os olhos do mundo estão cheios de esperança e voltam-se naturalmente para as poucas zonas populacionais férteis do mundo. Não nos enganemos, esta questão demográfica não é um problema africano, mas sim uma solução para um problema global, motivo para investir nesta juventude e oferecer-lhe os meios para se tornarem a força motriz do mundo de amanhã.
O continente africano está a preparar-se para uma explosão demográfica que trará grandes desafios a vários níveis. Até 2050, a África terá uma população de 2,5 mil milhões de pessoas, 50% das quais com menos de 25 anos de idade, o dobro da sua população actual. Enquanto a população mundial crescerá em 2,2 mil milhões de pessoas, metade desse crescimento será atribuída a países africanos, em particular à Nigéria, cuja população ultrapassará a dos Estados Unidos. Esta juventude, que traz consigo a esperança de renovação do continente, confronta os Estados africanos e o mundo com as suas responsabilidades.
No entanto, hoje em dia, as estatísticas e os indicadores de desenvolvimento realçam as dificuldades estruturais do continente na educação da sua população. Nos países mais pobres, o acesso a professores e materiais didáticos é uma barreira para uma parte considerável da população, que enfrenta uma falta de infraestrutura e recursos (acesso a eletricidade, livros didáticos, dimensão média das turmas, número de professores, etc.).
Além disso, a EdTech em África não é apenas sobre o acesso à educação e aos materiais de ensino, inclui, obviamente, a questão do que é ensinado. Em todo o mundo, o mercado de trabalho está a mudar. De acordo com um estudo do LinkedIn, publicado em 2018, as 10 competências mais procuradas pelas empresas, em todo o mundo, são exclusivamente digitais: Cloud Computing, Data Mining, Design UI (user interface), Mobile Development… No Ocidente, a situação é clara: a procura por programadores, designers e data scientists excede a oferta disponível.
Ao mesmo tempo, África deve formar 2,5 milhões de cientistas, técnicos e cientistas informáticos, em conformidade com o Objectivo de Desenvolvimento do Milénio da UNESCO. Apesar das suas dificuldades atuais, África tem a oportunidade de partir de uma folha de papel quase em branco e, tal como aconteceu com os telemóveis, que se sobrepuseram à infraestrutura de rede fixa para se estabelecerem neste continente (ou na China), deve analisar as novas competências digitais como um trampolim. O domínio da programação, por exemplo, pode permitir que milhões de africanos fora do sistema escolar deem um salto educacional significativo e os torne rapidamente empregáveis – ou suficientemente qualificados para programar soluções para os seus próprios problemas! Esta é a primeira promessa da EdTech em África. A segunda é a sua capacidade de superar, de forma inovadora, as falhas da infraestrutura de suporte ao ensino.
Programar o próprio destino
A cultura hack e o serendipity* dos centros tecnológicos.
*Serendipity – sorte de encontrar valor de forma não intencional.
Os ecossistemas de empreendedores, “centros tecnológicos”, estão na origem das dinâmicas empresariais e tecnológicas que o continente vive hoje.
A cultura de hacking e desembaraço, presente entre os primeiros empreendedores do continente, difunde-se e transmite-se nestas áreas onde várias gerações de jovens se reúnem com o desejo de escapar de um destino que não querem, e que sempre lhes foi apresentado como inevitável. Mas que não é.
É nestes locais físicos, que são de passagem obrigatória para os empresários locais, que se realiza uma grande parte dos projetos digitais do continente. Todos os empresários que vieram um dia, para encontrar inspiração, uma equipa, um mentor ou, simplesmente, uma ligação à Internet e eletricidade, sentem-se agradecidos e vão, por isso, ajudar os mais novos, partilhando conhecimento sobre design, pitch, código ou organizando hackatons.
No Quénia, Lin da Kamau e Marie Githinji conheceram-se no famoso iHub onde tiveram a oportunidade de se tornarem programadoras. O iHub, criado por Eric Hersman (BRCK) em 2010, é o primeiro centro tecnológico queniano que agrega o dinamismo da inovação queniana. Todos os empreendedores do país passam pelo iHub para aprender, conhecer pessoas, captar investimento ou, simplesmente, ter apoio. É neste mesmo iHub que Linda Kamau e Marie Githinji, que inicialmente vieram aprender a programar, decidiram criar o Akirachix, uma escola de programação para mulheres que lhes permite responder a uma elevada taxa de desemprego e ao facto de muito poucas mulheres saberem programar. A visão desta escola sem fins lucrativos é ambiciosa e ilustra uma ambição comum que impulsiona os centros tecnológicos do continente africano: formar e educar gerações de mulheres que utilizam a tecnologia para desenvolver soluções inovadoras para África.
Aprender a comprometer-se para escrever o seu destino
“Silicon Valley perdeu o seu monopólio. No mundo do empreendedorismo, as barreiras à entrada estão a diminuir em todo o mundo graças à tecnologia digital”.
Jørn Lyseggen, fundador da Meltwater Entrepreneurial School of Technology no Gana.
No Gana, a Meltwater Entrepreneurial School of Technology (MEST) é um dos principais centros de tecnologia do continente. Apesar de se ter tornado uma das incubadoras de startups mais prestigiadas de África, a MEST foi concebida como uma escola de empreendedorismo e programação. É uma escola privada, financiada pela Meltwater, que visa combater o desemprego, contribuindo para a transformação digital da África.
Durante os 12 meses de formação, os empreendedores aprendem a criar aplicações móveis, a desenvolver soluções e, acima de tudo, a “pensar como uma startup”. No final dos 12 meses e após o pitch de final de ano, os mais afortunados recebem financiamentos e são recebidos na incubadora da escola. Os alunos oferecem respostas para problemas locais, mas que podem ser do interesse mundial e a presença, a cada ano, de investidores de Silicon Valley confirma isso. Muitas startups que surgiram na MEST foram bem sucedidas internacionalmente. São os casos da Nandi Mobile, uma startup especializada em mobile marketing via SMS, que ficou em primeiro lugar num concurso de startups em São Francisco, em 2010; da Dropifi ou a Kudobuzz, especializadas em e-marketing, que integraram, respectivamente, o programa 500 Startups, em 2013 e 2014.
A MEST planeia abrir o African Satellite Programme para o desenvolvimento de soluções inovadoras, em Lagos, Cidade do Cabo, Nairobi e Abidjan.
De um modo mais geral, a EdTech pode permitir que milhões de africanos deem um salto educacional e tenham a oportunidade de se tornarem empresários sem necessariamente terem feito o percurso escolar habitual.
Foi exatamente com esse espírito que a African Leadership University foi fundada. Para Fred Swaniker, o fundador, “a vantagem de África é que não temos uma herança ou grandes tradições académicas. Portanto, podemos olhar de novo para o que já existe e começar do zero para reinventar a universidade de amanhã”.
Formar os líderes em África, para África
A African Leadership University tem agora dois campus (Kigali, Ruanda e Maurícias) e pretende formar os 3 milhões de líderes necessários em África, até 2060.
Na origem desta visão está o facto de as profissões de amanhã ainda não existirem e de África estar mal preparada para as mudanças que a esperam nos próximos 10 anos. Assim, nesta escola, não são ensinadas competências específicas, mas sim como responder a problemas concretos de uma forma inovadora. Os alunos são envolvidos num processo de aprendizagem contínua, que é uma das chaves do modelo. São divididos em grupos e estudam em conjunto, através de ferramentas digitais. No segundo ano, quem quer testar uma ideia pode juntar-se ao Student Ventures Program, que tem a supervisão de uma equipa de mentores que ajudam a passar da ideia à criação de uma startup.
“Precisamos de empresários africanos que criem empresas poderosas e de rápido crescimento, capazes de criar empregos para dezenas de milhares de pessoas.” Uma das chaves do modelo é a capacidade de prevenir a fuga de cérebros. Para tal, foi criado um mecanismo forte: os estudantes com menos recursos são financiados por doações algumas delas por empresas privadas e, em troca, comprometem-se a permanecer no continente durante 10 anos. Ao financiar a educação dos estudantes, as empresas “asseguram que recrutam os talentos que têm tanta dificuldade em encontrar em África devido à fuga de cérebros”, diz Fred Swaniker.
A formação da mão-de-obra do futuro
África precisa de empresários para emergir, permanentemente, na nova economia e tentar vencê-la, mas também precisa de se reintegrar no local de trabalho e proporcionar um rendimento decente a uma parte significativa da população fora do sistema escolar. Mas, ser capaz de tirar vantagem de uma população suficiente de programadores para apoiar as necessidades das empresas de amanhã é uma questão que nos preocupa a todos, especialmente no Ocidente, onde as empresas estão a mudar mais rápido do que as escolas. Essas empresas que hoje contratam programadores na Índia e na China parecem estar a contar com os jovens do continente africano para dar resposta às suas necessidades futuras.
Programadores para a África, mas não só…
A Coders4Africa é uma rede de programadores criada por Amadou Daffe e que opera entre 5 países africanos: Senegal, Mali, Quénia, Etiópia e Tunísia. A rede baseia-se num modelo de subcontratação que permite a empresas locais e internacionais, com necessidades de programação específicas (web e aplicações), contratar programadores africanos. Muito rapidamente, após o lançamento da plataforma, Amadou Daffe não conseguiu responder à enorme quantidade de pedidos vindos do estrangeiro, pelo que comprometeu-se a formar a mão-de-obra necessária, começando em 2016 pela Etiópia, com Gebeya (uma empresa EdTech), que acabou por adquirir a Coders4Africa em 2018.
Na Gebeya, os alunos são, desde logo, convidados a especializar-se para dominar uma das competências mais procuradas no mercado de trabalho. Por isso, têm a certeza de que encontrarão trabalho na Coders4Africa, mas também noutros locais. A Gebeya recruta alunos motivados com a capacidade de aprender, independentemente da sua formação académica, género ou origem social. Quando abriu, a Gebeya pretendia atingir 50% das mulheres licenciadas até ao final de 2018 e não esqueceu as empresas africanas: “Queremos que os africanos programem para o desenvolvimento dos africanos”. A ambição da Gebeya é atingir 5.000 etíopes até 2020 para satisfazer a procura externa e africana.
Uma filantropia que esconde uma grande questão estratégica a longo prazo…
Estruturas como a Andela (que agregam talento africano) podem ser suficientes para satisfazer as necessidades específicas de hoje e inspirar outras estruturas semelhantes, mas não serão suficientes a longo prazo para satisfazer a procura crescente dos mercados de trabalho ocidental e africano por este tipo de competências. Nem nunca atingirão uma massa crítica que permita verdadeiramente que os países africanos sintam um impacto real na taxa de desemprego.
As grandes empresas digitais estão plenamente conscientes disso e veem a juventude africana como pequenas mãos que vão ser a base do desenvolvimento industrial. As perspetivas de desenvolvimento económico defendem uma digitalização mais intensiva da economia, com o surgimento de novas tecnologias promissoras, como a inteligência artificial, que exigem uma mão-de-obra qualificada em grande quantidade para acompanhar esta transformação.
O Digital Nation Africa é um projecto liderado pela IBM que representa um investimento de 70 milhões de dólares para o desenvolvimento de uma plataforma gratuita para o fornecimento de programas educativos de todos os níveis para dominar competências informáticas (cibersegurança, data science, protecção de dados, programação, mas também metodologias ágeis, inovação e empreendedorismo). O montante do investimento é significativo, mas continua a ser relativo face aos 25 milhões de pessoas que a iniciativa visa formar. O objetivo da IBM é formar um número significativo de empreendedores, programadores e data scientists na utilização de tecnologias como a cloud e a inteligência artificial.
A Africa Code Week, financiada pela SAP e pela Google, é um projecto que tem como objetivo reunir 5 milhões de jovens entre os 7 e os 27 anos durante uma semana. A edição de 2017 reuniu 1,3 milhões de crianças de 35 países diferentes para aprender sobre programação. Bill McDermott, CEO da SAP, dirigiu-se aos líderes do G20 da seguinte forma: “Não há dúvidas para a SAP de que a formação de trabalhadores em ferramentas digitais é da nossa responsabilidade enquanto empresa. Assumimos mesmo que os líderes do mercado mundial têm a obrigação moral de preparar as pessoas, independentemente da sua origem, para os desafios da economia moderna”.
Microprojectos de RSE que sirvam os objetivos empresariais
A Orange, que tem uma forte presença na África Ocidental, também conseguiu criar uma oportunidade entre negócios e interesses colectivos. SHE IS THE CODE é um programa de aprendizagem de programação, de 3 meses, patrocinado pela Orange na Costa do Marfim, através de bolsas de formação que variam de 30 a 100% dos 180.000 Francos CFA necessários para todo o curso. O programa vai formar 50.000 mulheres da Costa do Marfim, entre os 18 e os 35 anos de idade, até 2020, para a integração profissional na Orange, ou empresa parceira no âmbito do programa de apoio para o lançamento de uma startup.
Democratizar o acesso à escola através da tecnologia digital
“A revolução digital é uma oportunidade excepcional para África, tanto como acelerador de desenvolvimento como para novos setores de atividade onde pode destacar-se. África deve formar rapidamente as centenas de milhares de jovens de que precisa para aproveitar esta oportunidade. A nossa parceria com a OpenClassrooms é outro exemplo do compromisso da Orange para enfrentar esse desafio.”, disse Bruno Mettling, CEO da Orange Middle East and Africa.
Embora pareça haver um consenso sobre a questão do “o quê” – tanto empresas africanas quanto ocidentais estão a investir na educação em competências digitais em África – a questão do “como” permanece sem solução. As dificuldades estruturais persistem na maioria dos países africanos e complicam o acesso às fontes de conhecimento educativo. O número de infraestruturas escolares, o acesso à água, à electricidade e à Internet são obstáculos para os alunos irem à escola ou para a escola chegar aos alunos.
O fracasso dos MOOCs em África…
Em 2012, o mundo aplaudiu a chegada dos MOOCs (Massive Open Online Course) e a sua promessa de “uma educação melhor, acessível gratuitamente, para todos nos países desenvolvidos e em desenvolvimento, a fim de melhorar as suas vidas e as das suas famílias e comunidades”. Era este o slogan da plataforma Coursera na época. A Coursera, como muitos outros players, oferece cursos com diploma pago ou cursos específicos gratuitos oferecidos pelas melhores universidades. Infelizmente, os MOOCs nunca conseguiram manter a sua promessa em África por várias razões relacionadas com as especificidades africanas.
1- Conteúdos descontextualizados
Os MOOCs propostos nestas plataformas baseiam-se num modelo pedagógico europeu ou americano, que tem em conta um nível de desenvolvimento radicalmente diferente daquele em que vive a maioria dos africanos, preocupados com a promessa inicial destas plataformas. Como resultado, os cursos oferecidos não são contextualizados e, na maioria dos casos, não respondem às expectativas dos alunos.
2- Dificuldade de acesso à electricidade e à Internet
A questão dos MOOCs é indissociável da disponibilidade e do custo da Internet e do acesso à eletricidade. Estes dois fatores são um obstáculo importante que limita o acesso aos MOOCs e questiona a relevância do formato – muitas vezes em vídeo – também este inadequado ao contexto africano.
Soluções simples para problemas complexos…
Esta é a característica da inovação em África, aquela que deve inspirar-nos e fazer do continente uma fonte de grande interesse para as empresas ocidentais: responder aos grandes problemas estruturais com soluções inovadoras que são, acima de tudo, marcantes na sua simplicidade.
Uma delas, a Chalkboard Education, foi criada por Adrien Bouillot, um jovem licenciado na Sciences Po Paris, que está no Gana. A Chalkboard é uma plataforma para escolas e universidades que permite que cursos e exames sejam disponibilizados através do telemóvel, mesmo sem ligação à Internet.
Oferecendo a utilização de Internet, SMS ou tecnologia USSD, acessível em qualquer tipo de dispositivo, a plataforma está acessível aos alunos em qualquer lugar, a qualquer hora. Do lado dos professores, a startup oferece serviços de análise de dados que permitem um acompanhamento individual dos alunos.
Conclusão
A educação em África é um grande desafio para os africanos e uma oportunidade para as empresas globais. Para os africanos, a EdTech tem os meios para permitir que todos possam maximizar o seu potencial, empreender e alcançar o seu pleno potencial. É também uma forma de muitos adquirirem novas competências e de se tornarem empregáveis, recuperando assim os anos passados fora do sistema escolar.
Para as empresas de todo o mundo, esta é uma oportunidade para formar o que será a seiva vital do mundo de amanhã, é uma oportunidade para ultrapassar dificuldades de recrutamento para certas competências específicas cuja procura excede a oferta nos países desenvolvidos.
E embora ainda haja um longo caminho a percorrer, muitos players estão a mobilizar-se para acelerar iniciativas que impulsionam a EdTech em África. Este é o caso da Injini, a primeira incubadora de startups EdTech em África, que acolheu o seu primeiro grupo de 8 start-ups de 5 países africanos na Cidade do Cabo, em outubro de 2017. A promessa da Injini é disponibilizar financiamento a todos os empresários africanos que tenham soluções inovadoras para enfrentar o grande desafio demográfico que o continente enfrenta, com o objetivo de maximizar a probabilidade de encontrar soluções para o continente.
“Será uma vantagem considerável que desencadeará o crescimento económico que todos esperamos, ou um fardo insustentável em sociedades já frágeis. É a educação que fará a diferença. A urgência deste desafio demográfico convida a tecnologia a fazer parte da solução.” Jamie Martin, co-fundador do Injini.