
Ana Catarina Gomes (CBR Genomics): Estamos a colocar a genética ao serviço das famílias
Fundada em 2012, a CBR Genomics é uma startup portuguesa de genomics-as-service, que desenvolve testes genéticos, prescritos por médicos, com o objetivo de apoiar uma medicina preventiva.
A partir de uma amostra de saliva recolhida em casa, a CBR Genomics sequencia todos os genes para identificar alterações associadas a doenças e, assim, permite atuar precocemente no acompanhamento clínico.
Durante a Web Summit, entrevistámos Ana Catarina Gomes, CEO da CBR Genomics, que explicou como é que a análise genética pode ser revolucionária na definição dos percursos dos cuidados de saúde.
Como é que nasceu a CBR Genomics?
A CBR Genomics nasceu da ideia e da visão de que é preciso trazer a genómica e a análise de ADN às pessoas e, assim, salvar vidas. Uma em cada seis pessoas tem em si um gene responsável pelo aparecimento de uma doença clinicamente acionável. Quanto mais cedo soubermos, mais cedo vamos estar a impactar e a definir melhor o percurso dos cuidados de saúde daquela pessoa. Esta é a nossa urgência.
Que serviços é que disponibilizam e em que é que se distinguem de outros no mercado?
Partimos do princípio de que se nascemos e morremos com os mesmos genes podemos sequenciá-los de uma única vez (20 mil genes), armazená-los com critério, rigor e segurança e depois criar contextos de utilização ao longo da vida. Esta é uma forma muito diferente de operar comparativamente aos outros players neste mercado.
Temos também uma atitude 100% clínica. Todos os nossos dados são clinical-grade.
Estamos a colocar a genética ao serviço das famílias, com uma base clínica e com uma perspetiva ao longo da vida e não simplesmente lifestyle ou nutrição, por exemplo.
Quantas doenças genéticas é que estão abrangidas?
Depende do serviço. No DNA.files Baby fazemos o screening genético para recém nascidos, em que analisamos 500 genes responsáveis por 300 doenças. É complementar ao teste do pezinho, em que se faz o rastreio de doenças importantes e urgentes (cerca de 26 doenças). Nós aumentamos muito o leque de doenças, mas com características de doenças genéticas.
Para adultos, lançámos o DNA.files Athlete, em que fazemos o screening de apenas cerca de 60 genes, mas focados na morte súbita do desportista.
Eu costumo dizer que na genética menos é mais. Não se deve comparar quantos genes, o que é importante é a ação clínica que é definida e como é que estamos a impactar as pessoas e as famílias e a ajudá-las a definir melhor o seu plano de saúde.
Como é que funciona o kit de teste?
Tudo começa com uma prescrição, que pode ser passada pelo médico ou pelo nosso médico geneticista. Depois é enviado um medical device para a colheita de saliva.
Após recebermos o teste, é enviado para análise. As nossas análises demoram sempre entre três a quatro meses, porque é preciso fazer toda a sequenciação genética e a análise para o painel de genes específico que foi prescrito.
Os resultados são entregues ao médico que prescreveu, que comunica às pessoas os resultados dos testes. Os dados ficam armazenados e podem ser consultados posteriormente.
Estamos a fortalecer muito a relação do médico com o paciente. O relatório é sempre comunicado pelo médico e isso é um factor de diferenciação, sobretudo em relação aos testes genéticos direct-to-consumer.
Um modelo B2B2C…
Exatamente. Os nossos clientes são as pessoas, mas os nossos utilizadores são e serão sempre os médicos e, portanto, damos indicações clínicas sobre como um médico deve atuar.
Apesar de sequenciarmos os 20 mil genes, só damos o relatório sobre os genes e potenciais doenças para as quais existe uma ação clínica recomendada. Somos extremamente conservadores e rigorosos, guiamo-nos pelas guidelines americanas e europeias sobre o que é que se deve ou não reportar em contexto clínico.
Qual o valor dos testes?
Os nossos serviços custam cerca de 1.000 euros, os preços variam de acordo com a tipologia de serviço. Há uma parte comum, que está sempre incluída, que é a sequenciação completa do genoma. Depois, dependendo da complexidade do relatório, os preços podem variar.
Nesta fase de lançamento, até 31 de janeiro de 2022, todos os serviços vão ser lançados ao valor de 816 euros.
Um dos vossos serviços destina-se precisamente à análise genética em pediatria. De que forma é que este acesso à leitura dos dados genéticos desde a nascença pode revolucionar a saúde?
Nós temos muito cuidado e muito rigor do ponto de vista ético, fomos muito rigorosos na seleção dos genes que vamos comunicar e rastrear a bebés. São 500 genes responsáveis por 300 doenças, algumas delas raras, outras não tão raras.
Para selecionar estes genes tivemos sempre três critérios de inclusão:
- Primeiro, que são genes completamente estabelecidos entre a causa e a doença.
- Segundo, são genes que vão originar alterações que vão mesmo originar doença. Isto porque a genética vai do branco ou preto, com vários tons de cinzento e, muitas vezes, ter a mutação não significa que vá ter a doença.
Nós só vemos e analisamos alterações que sabemos que a penetrância é superior a 80% e em que é necessário o médico ajustar o plano de monitorização ou até antecipar a terapia. - Por último, são genes para os quais existe ação clínica definida. Se nós identificarmos uma alteração que vai, de certeza, originar doença, mas que não há nada que se possa fazer, nós não atuamos e excluímos.
Com estes três vetores, achamos que estamos a fazer um bom serviço aos médicos, estamos a apoiá-los numa melhor prática clínica e a acompanhar melhor as famílias. Por outro lado, estamos a diminuir o stress das famílias, no momento em que estas doenças se começam a manifestar.
Acredita que no futuro as análises de ADN vão ser tão comuns como os exames de sangue ou um raio-x? Quão longe estamos desse futuro?
Eu espero que em 2025. Eu acredito que a genética é uma promessa que tarda em cumprir-se. Desde o ano 2000 diz-se que a genética é o futuro da medicina e nunca mais lá estamos.
Eu tenho uma perspetiva holística da genética, em que todas as especialidades percebem quais são os benefícios que podem aportar na gestão da saúde dos pacientes e deixar para o geneticista o que é muito complexo.
Em hematologia, por exemplo, qualquer médico pode prescrever análises de hematologia, como um hemograma, e quando há alterações significativas é encaminhado para a hematologia.
A minha visão para a genética é muito semelhante, até porque são cada vez mais as alterações genéticas que se sabe que estão relacionadas com a doença e é, cada vez mais, urgente fazer estas alterações chegarem à prática clínica comum.
Em Portugal, por exemplo, temos apenas cerca de 71 geneticistas, ou seja, um geneticista por cada 144 mil portugueses. Com estes números, nunca vamos conseguir mudar para um sistema de medicina preditiva e preventiva baseada e individualizada nos genes e no ADN.
Estamos aqui para apoiar e para fazer essa transição numa óptica que valorize sempre a componente genética. Só com todas as especialidades é que conseguimos fazer as pessoas beneficiar do conhecimento relativo à genética.
Quais é que serão os próximos desenvolvimentos da CBR Genomics?
Acabámos de lançar os serviços DNA.files Baby, de rastreio genético para bebés, e o DNA.files Athlete de rastreio genético para atletas.
Estamos a preparar mais oferta, incluindo o DNA.files Intellectual Disability para famílias que tenham crianças que têm um problema de desenvolvimento intelectual, mas que ainda desconhecem a causa.
Fizemos toda a prova de conceito em intellectual disabilities e conseguimos resolver casos que tardavam em resolver. Lembro-me, por exemplo, de um caso em que encontramos uma alteração num jovem já com 20 anos, que estava no sistema à procura de uma identificação.
No futuro, vamos avançar com o [DNA.files] Parent, ou seja, rastreio genético para futuros pais que queiram iniciar família e perceber se existem doenças recessivas na família e eventualmente encaminhar para a Medicina Reprodutiva.
Depois também iremos lançar o DNA.files Millennial, focado em jovens entre os 20 e os 40 anos, que pesquisem uma série de doenças genéticas que aparecem normalmente nestas idades e que se sabe que têm uma origem genética mais do que estabelecida. Por exemplo, cancros que aparecem em idade muito jovem e também algumas mortes súbitas.
Com a nossa análise, pretendemos antecipar e tentar dar o máximo de vida e de qualidade de vida a portadores.
As pessoas que têm uma alteração genética não são pessoas doentes, são pessoas completamente saudáveis. Daí começar a aparecer no léxico americano o termo “Previvors”, que são as pessoas que sobreviveram à probabilidade de vir a desenvolver uma doença. Ou seja, que tomaram decisões de gestão de saúde que permitiram que a doença nunca se manifestasse.
Em que mercados é que a CBR Genomics opera?
Estivemos focados no mercado português, porque é um ótimo mercado para prova de conceito e lançamento test bed (plataforma de teste).
Agora, é um momento de internacionalização, temos o sistema completamente internacional. Temos toda uma plataforma de e-commerce e de telemedicina onde as barreiras geográficas não são um problema.
A ambição é absolutamente internacional. Estamos à procura de investidores que nos permitam estabelecer as parcerias e os canais de internacionalização.
Quanto é que já captaram?
Em financiamento e investimento captámos um total na ordem dos 4 milhões de euros, ao longo dos últimos oito anos.
Quem é que são os principais investidores?
Tivemos no início um investimento da Portugal Ventures. Neste momento, o principal investidor é a Green Innovations Biotech.
Qual o crescimento que antecipa para o mercado global de medicina personalizada com base no ADN?
O crescimento é exponencial. Existem vários indicadores de que é um mercado que vai crescer cerca de 30 a 40%.
Nós estamos a explorar todo um novo mercado, que acontece no momento em que as pessoas percebem que podem utilizar o seu próprio ADN nas suas decisões de saúde.
Neste momento, o mercado da genética está muito focado no direct-to-consumer e B2B, na clínica. Nós ao fundirmos os dois, estamos a explorar todo um mercado de pessoas que veem que podem beneficiar da utilização da genómica e da genética na sua gestão da saúde, sendo que não precisam de estar necessariamente doentes. Estamos a abrir um novo mercado cuja dimensão é difícil extrapolar.
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