Maria Freitas é CEO e fundadora da uMore. Nascida de um projeto que começou em 2020, esta startup de saúde mental, com um modelo B2B, apoia médicos e hospitais através de uma aplicação que permite um acompanhamento contínuo de doentes em tratamento e uma intervenção mais rápida.

Nesta entrevista, Maria Freitas partilha como a aplicação da uMore mantém os doentes motivados entre consultas de psicologia, utilizando algoritmos de inteligência artificial para prever fatores com impacto positivo e negativo no dia a dia. 

A uMore nasceu em 2020, em plena pandemia. Como é que nasceu?

Nós começamos o nosso projeto em 2020. Juntámo-nos num hackathon do TechStars, com o objetivo de ajudar o mundo em pandemia. Era um hackathon organizado em torno da missão “Unite to fight covid“. Depois, começámos a trabalhar aos fins de semana e criámos a uMore em março do ano passado [2021]. Foi quando levantámos a nossa primeira ronda de capital e desde aí temos estado a crescer.

A uMore teve também uma motivação pessoal…

Sim, na minha família sempre tivemos problemas de saúde mental, acho que nenhuma família é imune a saúde mental. Quando aconteceu a pandemia, a minha irmã mais nova entrou numa depressão. Como eu também já tinha trabalhado na área da saúde digital, na Dinamarca, isso motivou-me a avançar para um projeto a tempo inteiro e a tentar fazer alguma coisa que ajudasse as pessoas a saberem o que é que se está a passar consigo e quais é que são os fatores que determinam a nossa saúde mental. É daí que vem o propósito da nossa App.

“Somos um companheiro antes, entre e após o tratamento. Quando alguém está a ter consultas de psicologia, nós apoiamos com exercícios de psicoeducação, com os nossos algoritmos que conseguem começar a identificar afetações.”

Como é que funciona a vossa aplicação e em que é que se diferencia?

Nós somos uma aplicação mais para quem está em tratamento. Trabalhamos com médicos e hospitais, nomeadamente clínicas, e gostamos de dizer que nós vemos aquilo que o médico não vê. Somos um companheiro para o tratamento, antes, entre e após o tratamento. Quando alguém está a ter as suas consultas de psicologia, nós apoiamos com exercícios de psicoeducação, com os nossos algoritmos que conseguem começar a identificar afetações. Por exemplo, se a nossa ansiedade provém das relações ou do trabalho. O nosso objetivo é dar ferramentas para conseguirmos ultrapassar quando temos dificuldade. Nós não acreditamos que se pode curar a saúde mental, mas acreditamos que podemos estar melhor equipados a lidar com o dia a dia.

Como é que as pessoas têm acesso à aplicação, é prescrita pelos médicos?

Em alguns casos, sim. A nossa aplicação está disponível nas lojas de aplicações (App Store e Google Play) para quem quiser utilizar, mas normalmente é utilizada em combinação com o tratamento. Nós somos muito apologistas de permitir a auto-gestão e, por isso, quem quiser pode fazer download nas lojas de aplicações, por 4 euros por mês. O nosso objetivo é ajudar o máximo de pessoas.

“Um dos principais fatores que determina bons resultados num tratamento é a nossa perceção do tratamento e a nossa convicção ao tratamento.”

Do lado dos médicos, como é que funciona a solução?

Por exemplo, estamos a trabalhar com um grande hospital na área renal com pacientes que estão a fazer diálise. Estes pacientes utilizam a nossa aplicação para se manterem motivados com a sua condição. Porque um dos maiores efeitos de uma doença crónica é a saúde mental. Então aí os médicos conseguem ver como é que está o paciente no seu estado próprio, como é que o paciente vê o seu médico e o mundo à volta. Um dos principais fatores que determina bons resultados num tratamento é a nossa perceção do tratamento e a nossa convicção ao tratamento. Então trabalhamos com o envolvimento e o empoderamento dos pacientes. Este é um dos exemplos.

Trabalhamos maioritariamente com clínicas que têm até três psiquiatras e que não têm a capacidade de ter ferramentas de apoio. Entre as sessões – porque, infelizmente, a realidade de quem está em tratamento é uma sessão a cada dois meses – damos apoio e ferramentas para combater o stress, ansiedade e depressão. E somos um dispositivo médico.

Em termos práticos que informação é que é partilhada pelos doentes?
Os doentes fazem ecological momentary assessments. Todos os dias reportam as suas emoções, juntamente com o seu diário. O diário é depois processado por algoritmos de machine learning para prever quais é que são os fatores que foram positivos ou negativos no dia a dia do indivíduo. Essa informação é toda partilhada com o médico que depois em sessão tem uma abertura e uma visão muito superior ao que antes era só o paciente a relatar o dia a dia. Eu diria que o fator mais crítico é quando o paciente tem uma “quebra” e o médico recebe essa informação instantaneamente, em vez de esperar duas a três semanas para ter uma consulta, pode intervir imediatamente e ajudar quem precisa mais.

Quantos utilizadores é que a aplicação tem neste momento?

Temos à volta de 20 mil utilizadores da aplicação dos pacientes.

Está disponível a nível global, mas onde é que identificam um maior número de utilizadores?

Nos Estados Unidos e no Reino Unido. A nossa aplicação, neste momento, está em inglês. Acabámos de traduzir para Ucraniano, porque um dos grandes pedidos foi ajuda na saúde mental. E também estamos em árabe.

Para quando em Portugal?

Em breve, estamos a trabalhar nisso. Um dos nossos parceiros é a Fidelidade e estamos agora a trabalhar para ter uma aplicação em português.

Ainda este ano?

Acho que não consigo prometer tão rápido prazo.

“Acreditamos que o futuro da saúde, quer seja física ou mental, é um futuro em que o paciente é muito responsável pelos seus tratamentos e pelos seus resultados.”

Que planos de futuro é que têm para melhorar a plataforma?

Agora nós queremos desenvolver mais a área de suporte de paciente remoto. Acreditamos que o futuro da saúde, quer seja física ou mental, é um futuro em que o paciente é muito responsável pelos seus tratamentos e pelos seus resultados. Acreditamos que a monitorização remota vai ser o futuro. O que nós estamos a fazer com a saúde mental já existe bastante na área dos diabetes e queremos continuar a desenvolver essa área, a criar mais abordagem, porque de facto é uma área bastante recente.

Quanto é que já captaram em investimento e quem são os vossos principais investidores?

Nós captámos cerca de 1 milhão de dólares, no ano passado, na nossa ronda pre-seed. Os nossos investidores incluem os investidores espanhóis The Venture City e também somos muito privilegiados por ter a Norrsken, que é o maior fundo de impacto europeu na Suécia. Acabámos de vir da Suécia, onde estivemos a trabalhar com eles durante três meses.

Qual o papel que a uMore ambiciona ter no futuro dos cuidados de saúde?

Como fundadores, a saúde mental vem com um peso muito pessoal para cada um de nós e, quando começámos este projeto, o nosso objetivo era criar ferramentas não só para que pessoas se sentissem bem, mas para que também pudessem prosperar nas suas vidas. Com um bom senso de controlo, todos nós conseguimos mudar como nos vemos a nós mesmos e o mundo à nossa volta.