
Robert Scoble: “iPhone com realidade misturada será um Big Bang para a indústria”
Na impossibilidade de entrevistarmos Robert Scoble durante o Web Summit, no qual participou, ficou prometida uma entrevista que conseguimos agora.
Robert Scoble é um dos bloggers mais influentes da atualidade, que tem vindo a acompanhar in loco os últimos desenvolvimentos no campo das realidades virtual e aumentada. O autor de “The Fourth Transformation: How Augmented Reality & Artificial Intelligence Will Change Everything” partilhou numa entrevista exclusiva para o SuperToast a sua visão privilegiada sobre um futuro, muito próximo, onde estas tecnologias farão parte do dia-a-dia dos consumidores, o que representa uma oportunidade para as organizações alargarem e diversificarem os seus modelos de negócio. Esperamos que esta entrevista lhe dê pistas relevantes para o seu negócio para inovar com a realidade virtual, realidade aumentada e misturada.
SuperToast (ST): O que é que nos pode contar sobre a experiência de ser um empreendedor residente na Upload VR? Como é que está a correr?
Robert Scoble (RS): Está a correr muito bem. A Upload VR é, talvez, a melhor empresa a fazer a cobertura exclusiva de immersive media, onde se inclui a realidade virtual e a realidade aumentada. Eu trabalho no espaço de co-working da Upload VR, que tem 43 startups, o que me permite observar, todos os dias, as coisas estonteantes que um vasto leque de empreendedores estão a desenvolver e me oferece uma visão privilegiada sobre como será o futuro.
ST: Na sua opinião, quais são as startups mais promissoras a trabalhar na Upload VR?
RS: Eu não colocaria a questão dessa forma. Os óculos de realidade aumentada estão a chegar e o novo iPhone da Apple, que vai ser lançado em Setembro, vai integrar realidade misturada – ou, se quisermos, a próxima geração de realidade aumentada – e isso vai desencadear uma série de acontecimentos este ano: antecipo o nascimento de 10 a 15 novas marcas fruto deste ‘cenário’. Ainda não sabemos quais serão as importantes. É injusto indicar uma ou outra startup numa área deslumbrante como esta.
ST: As realidades virtual e aumentada são duas tecnologias emergentes que há muito prometem passar do mundo dos jogos para os negócios. No seu ponto de vista, quais serão os maiores impactos destas tecnologias nas diferentes indústrias?
RS: Na verdade, a realidade virtual começou primeiro no mundo dos negócios: o novo parque temático da Disneyland, na China, foi planeado em realidade virtual; no laboratório de Investigação e Desenvolvimento da Ford, em Silicon Valley, o design dos veículos também é feito através de realidade virtual, etc. Estas tecnologias têm vindo a ser utilizadas pelas empresas há muito tempo, mas o que é importante, e o motivo pelo qual esta área é interessante, é o facto destas tecnologias estarem prestes a chegar aos consumidores.
Estas tecnologias têm vindo a ser utilizadas pelas empresas há muito tempo, mas o que é importante, e o motivo pelo qual esta área é interessante, é o facto destas tecnologias estarem prestes a chegar aos consumidores.
ST: Que outros exemplos podemos encontrar?
RS: Existem outros casos de utilizações específicas. Uma das startups com quem trabalho está a criar uma aplicação de realidade aumentada para a PACCAR, a empresa número 2 no fabrico de camiões, para colaboradores e clientes que está a permitir poupanças de milhões de dólares por ano. São exemplos interessantes, mas o que será realmente relevante é o facto de o consumidor ter acesso a estas tecnologias e utilizá-las para tudo, isso representará uma verdadeira mudança na sociedade.
ST: Em termos práticos, como antecede esta mudança?
RS: Dentro de três anos, iremos utilizar uns óculos pequenos – não tão grandes e feios como os HoloLens, da Microsoft, ou os óculos da Meta – que nos darão, diretamente, várias informações. Vamos poder ter acesso ao número de ecrãs virtuais que quisermos, e que poderemos abrir através de gestos, o que permitirá ganhar mais espaço para trabalhar e dispensar a necessidade de comprar ecrãs.
Através dos HoloLens, tenho cinco ecrãs virtuais à minha frente, na minha secretária, e um teclado físico onde teclo. Os óculos mapeam o meu quarto e permitem-me jogar jogos em diferentes cenários, como o Fragments, no qual o nosso quarto se transforma no local de um crime. Consigo também colocar várias coisas à minha volta que me permitem trabalhar: eu e os meus amigos definimos, por exemplo, links de vídeos, para que possamos ver vídeos em 3D; podemos também fazer chamadas através de um simples clique no ecrã virtual…existem imensas possibilidades.
Tudo isto está a chegar. O próximo iPhone com realidade misturada – ou este novo estilo de realidade aumentada – será lançado daqui a 9 meses, e é disso que devemos falar, será um Big Bang que vai mudar a indústria e que dará aos consumidores um vasto leque de novas capacidades que hoje não têm. É isso que me entusiasma, estou entusiasmado em relação ao futuro que se aproxima.
ST: Nesse caso, o mobile será a primeira plataforma a ganhar escala na realidade misturada…
RS: Sim, porque toda a gente precisa de um iPhone ou de um smartphone Android – ninguém precisa de comprar um dispositivo da Magic Leap ou os HoloLens. Hoje, se tivermos um orçamento de mil dólares para investir num gadget, esse investimento será feito para adquirir um smartphone melhor. E, este ano, o novo iPhone permitirá fazer coisas que hoje são impossíveis com os telemóveis atuais: será em vidro transparente e terá um sensor 3D de ponta integrado que permitirá fazer uso da realidade virtual e desta nova geração de realidade aumentada (realidade misturada, como a Microsoft designa), o que é verdadeiramente deslumbrante.
O próximo iPhone com realidade misturada – ou este novo estilo de realidade aumentada – será lançado daqui a 9 meses, e é disso que devemos falar, será um Big Bang que vai mudar a indústria e que dará aos consumidores um vasto leque de novas capacidades que hoje não têm.
ST: O Facebook revelou uma nova experiência social em realidade virtual com os Oculus Rift. Qual a sua opinião acerca destas interações sociais proporcionadas pela realidade virtual?
RS: Nesse caso, estamos a falar sobre realidade virtual social que “anda” connosco – [cenários como] um quarto de hotel, um campo, uma discoteca – e que nos permite falar, jogar, fotografar outras pessoas e várias outras ações. O Facebook é bastante divertido. Não sei se vencerá, mas está a focar-se na tecnologia certa. Utilizar a realidade virtual em vez de estar no Facebook é bastante divertido, social e interativo. O Zuckerberg percebeu que isto iria “roubar” minutos de permanência dos utilizadores no estilo antigo do Facebook e do Instagram e, portanto, está a posicionar estas plataformas no sentido de permitir jogar e trabalhar com outras pessoas através de realidade virtual.
É fantástico o que o Facebook está a fazer, é extremamente divertido, só não sei se vencerá no mercado porque há vários concorrentes, como a High Fidelity, Linden Lab, Altspace VR, etc.
ST: Esta experiência social abre um leque de novas oportunidades em diferentes indústrias, nomeadamente na área da educação e criação de novos empregos…
RS: Sim, a realidade misturada é a melhor tecnologia educativa que os humanos alguma vez inventaram. Já está a ser utilizada na Caterpillar, por exemplo, para ensinar as pessoas a reparar um trator de um milhão de dólares. Portanto, será realmente interessante nesta área.
Através dos HoloLens, de óculos de realidade misturada ou do novo iPhone, é possível observar um coração virtual, se estivermos a aprender biologia ou um átomo, se estivermos a aprender química, por exemplo, podendo tocar, aumentar ou mover estas representações em 3D através de gestos. Esta é uma forma de aprender depressa que poderá ser relevante para antecipar a automação que se avizinha que irá afetar os empregos.
ST: Como é o caso dos motoristas, por exemplo, dado o desenvolvimento da tecnologia para veículos autoguiados…
RS: Um motorista de camiões sabe que daqui a uma década ficará sem emprego e que o melhor é começar a adquirir novos conhecimentos para se dedicar a outra função. Os óculos de realidade misturada serão uma forma de o conseguir, mas ainda levará cerca de 4 a 5 anos até o software, que estou a ver ser desenvolvido, “chegar” a um plano deste género para a educação, e antes de se tornar óbvio que seguimos nessa direção.
A requalificação das pessoas levará algum tempo, ter-se-á de garantir um rendimento mínimo para aqueles que serão afetados pela automação de processos e será necessária uma abordagem completa em vários ângulos, mas acredito que a realidade misturada terá um papel de grande relevo. A nossa expectativa é que estes óculos nos mostrem espaços desportivos, shoppings, hotéis, etc., enquanto passeamos por parques – ou algo semelhante – e serão criados milhares de milhões de empregos para proporcionar estas experiências.
A realidade misturada é a melhor tecnologia educativa que os humanos alguma vez inventaram. Já está a ser utilizada na Caterpillar, por exemplo, para ensinar as pessoas a reparar um trator de um milhão de dólares. Portanto, será realmente interessante nesta área.
ST: Várias empresas, como a Microsoft, Magic Leap, Meta ou Google, estão a trabalhar nestas tecnologias. A realidade misturada será a próxima grande revelação?
RS: É definitivamente a próxima grande revelação em 2017 e a Apple será a grande notícia, a menos que o sistema político se torne uma “notícia” ainda maior e interrompa os planos da Apple – espero que isso não aconteça. Donald Trump é tão imprevisível e parece fazer coisas que podem alterar o mundo drasticamente. Não sei se algo poderá afetar a Apple especificamente, mas consigo imaginar um leque de ações que podem afetar drasticamente a posição da Apple no mundo: o, eventual, começo de uma “guerra” com a China pode dificultar bastante o fabrico dos novos iPhones. No entanto, neste momento, a Apple será, de longe, a grande notícia deste ano e irá impulsionar a introdução de um conjunto de produtos, pelo que um vasto leque de marketers terá de criar novos produtos concorrentes.
ST: Elon Musk afirmou que há uma grande probabilidade de vivermos num “videojogo”, semelhante ao Matrix, em que estávamos a ser constantemente vigiados. Acredita que iremos viver no mundo da realidade misturada dentro desta simulação que Musk fala?
RS: Sim! O que estamos a fazer com os óculos de realidade misturada, e as suas seis tecnologias, torna possível “mapear” um quarto e criar um novo estilo de base de dados desse espaço. E isto é possível através de uma ótica que coloca objetos virtuais sob o mundo real; através de um sensor que permite através da visão controlar um novo tipo de interface do utilizador; de um sensor de movimentação que reage a gestos; de um novo estilo de colunas que traz novas formas de áudio – surround e uma nova forma de processar o som; e de uma nova forma de inteligência artificial capaz de detetar para onde estou a olhar – seja uma mesa, uma parede, o teto ou o chão – e que permitirá trabalhar com outros sistemas de forma a colocar objetos virtuais em superfícies.
Num dos jogos que costumo jogar saem aliens pela minha parede, furam e fazem buracos. Isto é algo espetacular e um exemplo das possibilidades que estão a chegar com a utilização destes óculos que integram as tecnologias que referi.
ST: Stephen Hawking afirmou que os buracos negros oferecem uma passagem para outro universo, apesar de ser “perigoso falar com aliens”. Hawking teme também as consequências da inteligência artificial – de algo que iguala ou ultrapassa os humanos. Qual é a sua perspetiva?
RS: Não é um problema meu (risos). Esse não será um problema até à chegada da computação quântica, daqui a uns 15 anos. E mesmo nessa altura não acredito que vá eliminar os humanos daí a outros 15 a 30 anos – talvez ainda mais. Vejo-a [inteligência artificial] como uma tecnologia que dará assistência e que eliminará empregos, portanto a questão central é o que acontecerá a esses empregos. Acredito que haverá uma requalificação das pessoas no sentido de desempenhar um novo emprego utilizando óculos de realidade misturada. Já vemos pessoas a ser formadas, através destes óculos, para trabalhar num trator de 1 milhão de dólares ou para reparar um turborreator. Podemos ensinar as pessoas a desempenhar uma grande variedade de tarefas porque a tecnologia educativa será muito boa no campo da realidade misturada.
Créditos imagem destaque: Upload VR
A versão original deste artigo, em inglês, está disponível aqui.