
Cientistas fantásticos e onde encontrá-los
66 cientistas brilhantes receberam os prémios de maior prestígio na área da Inteligência Artificial, desde a criação desta área há algumas décadas. Neste artigo, poderá conhecer os seus perfis, bem como as empresas e instituições que estão a fazer esforços para atrair estes talentos.
Os humanos por detrás da IA
A área da Inteligência Artificial está repleta de paradoxos, um deles é, sem dúvida, o facto de darmos mais destaque às conquistas e às empresas de IA, do que aos investigadores. A empresa de investigação sem fins lucrativos OpenAI, fundada pelo presidente da Y Combinator, Sam Altman, e por Elon Musk “para criar um ambiente seguro em torno da IA e garantir que os seus benefícios estão amplamente ‘distribuídos’”, é um exemplo perfeito desta situação. A empresa defende uma “cultura aberta”, mas não possui uma lista clara com os membros da equipa.
Contudo, uma das nossas convicções-chave em estudar inteligência artificial é que a evolução da investigação não é apenas contingente a um mix subtil de algoritmos, dados e capacidade computacional. O contexto da investigação – no caso deste artigo em concreto sobre quem são os investigadores e para quem trabalham – é uma questão igualmente importante a examinar.
E, por essa razão, decidimos explorar as vidas dos investigadores mais brilhantes no campo da IA: estudámos as carreiras dos 66 investigadores que receberam os seis prémios mais prestigiados de IA. Apesar de estarmos dependentes do volume de informação disponível sobre cada um destes profissionais, estávamos confiantes de que iríamos, pelo menos, extrair lições fascinantes – e não ficámos desapontados.
Há, no entanto, uma ressalva a fazer em relação à nossa abordagem: uma vez que estes prémios científicos demoram algum tempo até serem entregues, os vencedores mais jovens que temos na nossa “lista” nasceram em 1979. Foi por essa razão que demos especial atenção aos alunos destes investigadores: para perceber, com maior precisão, o nível de evolução da IA no que diz respeito às carreiras dos seus mentores.
Os perfis de investigadores de IA ao longo dos anos
Inicialmente, compilámos as características principais dos 66 investigadores – cidadania, género, áreas de estudo no doutoramento e licenciatura, relação com o sector privado e universidades que frequentaram ou onde leccionaram -, estudando os resultados gerais e a sua evolução ao longo do tempo.
Cidadania
Geral:
Evolução: Os premiados provêm, cada vez mais, de países internacionais – mesmo que completem o seu doutoramento ou trabalhem nos Estados Unidos. Isto explica o facto de apenas 1/3 dos 15 investigadores mais novos e 2/3 dos 15 mais velhos serem americanos.
Género
Geral: Sem grande surpresa, e infelizmente, apenas 7 prémios, de um total de 66, foram atribuídos a investigadoras. Contudo, vale a pena referir que o cientista com mais galardões é uma mulher: Barbara Grosz venceu 4 dos 6 prémios que estudámos.
Além disso, as mulheres americanas estão minoria em relação aos homens: na nossa lista, constam apenas duas; enquanto Israel conta com 3 e Itália com 2.
Evolução: Tirando o facto de nenhuma cientista mulher aparecer em 1/3 dos investigadores premiados mais velhos, a amostra é muito pequena para retirar alguma conclusão, sendo que não há sinal de uma “feminização” na nossa base de dados.
Áreas de estudo no Doutoramento
Geral:
Evolução: Quando os primeiros investigadores de IA concluíram os seus doutoramentos, não existiam departamentos de Ciências Computacionais ou laboratórios de IA. Como consequência, recebiam formação em áreas como a Matemática ou Engenharia Eléctrica – os primeiros departamentos de Engenharia Eléctrica foram criados durante os anos 80. Tal explica porque é que na nossa lista os investigadores com doutoramentos em Matemática nasceram, em média, em 1934; os de Engenharia Eléctrica em 1938; e os de Ciências Computacionais em 1958.
Área de estudo na Licenciatura
Geral: Para nossa surpresa, as especializações dentro das Ciências Computacionais são a exceção: dos 58 perfis de investigadores premiados, dos quais tínhamos informação sobre a licenciatura, apenas 5 enveredaram por esta área. Cerca de metade dos investigadores especializaram-se na área da ciência – maioritariamente em Matemática -; 13 dedicaram-se ao ramo da engenharia; e outros 5 apresentam um currículo mais híbrido entre a Matemática e as Ciências Computacionais.
Evolução: Não se verificou um padrão na evolução das áreas de preferência ao nível das licenciaturas, ainda vemos, por exemplo, os investigadores mais jovens a enveredar por especializações em Matemática.
Relação com o sector privado
Geral: Usámos, de propósito, o termo ambíguo “relação”, precisamente para enfatizar as várias formas como os investigadores interagiram com centros de investigação corporativos ou particulares – que não significa necessariamente “lucrativos”. Existem 3 tipos de relação: consultiva (inclui posições no Conselho Científico Consultivo para grandes empresas); de empregabilidade; e de empreendedorismo.
Evolução: Não há nenhuma tendência evidente proveniente dos nossos dados – talvez pela natureza mais qualitativa desta informação.
De uma forma simples, sempre existiram relações entre o sector privado e os investigadores de IA, por isso o boom atual não é novidade. Contudo, as últimas décadas de evolução da IA assistiram a algumas mudanças e ciclos. A primeira alteração passa pelo facto de que, globalmente, os investigadores tendem a ser menos empregados e mais empreendedores – mesmo que o empreendedorismo seja conciliado com uma posição académica.
Em segundo, mais óbvio, é a evolução das instituições que colaboram com os investigadores. As antigas gigantes da electrónica, como a RCA ou Bell Labs, e centros privados, como a PARC – subsidiária da Xerox – e a SRI, foram, gradualmente, substituídas por startups e gigantes do Digital, como a Microsoft, Yahoo! ou Google.
Por último, o volume de atividade de consultoria ou de empreendedorismo depende, em grande medida, dos ciclos de negócio – o boom das “dot-com” resultou no aumento deste volume.
Universidades
Geral: Fizemos um ranking baseado nas universidades em que os investigadores da nossa amostra tiraram o doutoramento; e nas que leccionaram, durante pelo menos 5 anos. Abaixo encontram-se os resultados:
Estes resultados são coerentes com a história da Inteligência Artificial, uma vez que os seus “fundadores” proeminentes estavam no MIT (onde Marvin Minsky e John McCarthy fundaram o Projeto Inteligência Artificial, designado Laboratório, em 1995), em Stanford (onde foi fundado o Lab de IA de Stanford, or John McCarthy, em 1963) e na CMU (onde Herbert Simon e Allen Newell criaram o departamento de Ciências Computacionais, em 1965).
Evolução: A primeira conclusão a destacar é que não tem havido uma evolução muito significativa: Stanford, MIT e CMU têm conseguido manter-se na liderança, ao longo dos anos. A segunda conclusão é que Harvard e a Universidade de Toronto, que aparecem 4 vezes nas trajetórias do terço do meio dos investigadores, com base nas idades, não têm “representatividade” no terço dos investigadores mais jovens.
Contudo, o resultado da Universidade de Toronto é, de alguma forma, influenciado pela posição de destaque que tem tido nos últimos anos, que se prende sobretudo com a área de Deep Learning.
5 tipos de cientistas
Apesar de se terem registado algumas mudanças na trajetória dos atores ligados à IA, ao longo dos anos, podemos encontrar alguns tipos de carreira transversal a estes cientistas. Estes 5 arquétipos são particularmente intrigantes:
Descrição: Este investigador dá aulas na mesma faculdade durante quase toda a sua vida.
Exemplo: Especialista em robótica, Maria Gini (nascida em 1947) foi durante alguns anos investigadora associada no Politécnico de Milão, antes de emigrar para os Estados Unidos, em 1982, e ingressar na Universidade do Minnesota, onde ainda dá aulas.
Perspetivas futuras: Baixas. Se os projetos de investigação privados continuarem a atrair professores com doutoramento ou mais experientes, parece pouco provável que muitos dos alunos com licenciatura venham a optar por uma carreira exclusivamente académica.
Descrição: Sendo o oposto do académico leal, este tipo de investigador nunca abandona a esfera privada da investigação, trabalhando num laboratório de uma empresa (ex: Bell Labs) ou numa instituição privada de investigação (ex: SRI International).
Exemplo: Eric Horvitz (nascido em 1963) tem vindo a explorar a área de machine intelligence no departamento de investigação da Microsoft desde 1993.
Perspetivas futuras: Altas. Antevemos que vários licenciados vão juntar-se aos laboratórios de IA de empresas, nos próximos anos, sendo que estes investigadores deverão, cada vez mais, ocupar várias posições ao longo das suas carreiras, ao invés de permanecerem na mesma empresa durante décadas.
Descrição: Este investigador é um mix dos dois primeiros estereótipos, porque a sua carreira está normalmente divida em duas partes: uma passada no setor privado (às vezes na sua própria empresa) e outra parte na universidade, sendo que o caso mais comum é começar no sector privado.
Exemplo: Henry Kautz (nascido em 1956) foi contratado pela AT&T Bell Labs depois de concluir o seu doutoramento, em 1987; posteriormente, juntou-se à Universidade de Washington, em 2000, antes de se tornar professor na Univerdade de Rochester, em 2007.
Perspetivas futuras: Incerteza. Uma vez que a procura por licenciados em IA por parte de startups é recente – pelo menos, tendo em conta toda a história desta área –, não temos informação suficiente para afirmar que, passados alguns anos numa determinada empresa, estes investigadores estarão dispostos a abraçar uma nova carreira académica. Para além disso, o resultado irá depender da natureza do boom actual da IA: se se provar efémero como outras “primaveras” de IA a que já assistimos, é mais provável que a universidade volte a acolher estes investigadores, dentro de alguns anos.
Descrição: Este tipo de investigador é muito semelhante ao investigador híbrido, excepto o facto de pertencer às esferas académica e privada em simultâneo.
Exemplo: O Professor brasileiro Carlos Guestrin (nascido em 1975) leciona na Universidade de Washington e é Diretor de Machine Learning na Apple (em Agosto de 2016 adquiriu a Turi, uma startup co-fundada por Guestrin, em 2013).
Perspetivas futuras: Médio. Este perfil vai certamente tornar-se mais comum nos próximos anos, por, pelo menos, 2 razões, motivadas pelo boom actual da IA. Primeiro, as empresas tentam contratar professores em regime sazonal – um recurso escasso – que frequentemente querem manter a sua posição académica. Em segundo lugar, os membros da faculdade são, cada vez mais, parte ativa na criação de startups, paralelamente à vida académica. Ao mesmo tempo, esta tendência será contrariada pelo facto de os recém-licenciados optarem por empregos em empresas – não podemos ter mentes bilaterais sem ter primeiro os estudantes interessados na carreira académica.
Descrição: Este investigador explora, de forma incansável, apenas uma abordagem à Inteligência Artificial e está empenhado na criação de um ambiente personalizado para dar continuidade à sua investigação.
Exemplo: Desde os anos 80, Douglas Lenat (nascido em 1950) tem insistido numa só abordagem, que a Wired apelidou de “cruzada solitária para ensinar a um computador o senso comum”. Isto é, criar uma base gigantesca de conhecimento, com milhões de verdades fundamentais, tais como “não é possível estar em dois sítios ao mesmo tempo” , que são óbvias para nós, mas não tanto para os computadores. Este projeto chama-se Cyc e foi criado em 1984. As tendências da IA têm-se feito e desfeito, mas o projeto de Lenat ainda está em curso.
Perspetivas futuras: Baixas. Este modelo é muito mais fascinante do que difundível, e as várias colaborações e carreiras híbridas entre esfera académica e a esfera privada vão deixar este modelo para segundo plano.
As empresas estão a reter talento em IA? Um questionário a alunos universitários
Existe uma preocupação geral de que as empresas – especialmente os GAFA (Google, Apple, Facebook e Amazon) – estejam, neste momento, a reter os talentos na área da inteligência artificial, diminuindo, assim, o número de alunos a fazer doutoramentos nas universidades. O leque de cientistas premiados que selecionámos não ajudou a verificar esta tendência e, por isso, decidimos explorar o histórico de empregos dos alunos destes investigadores – pelo menos enquanto esta informação estiver disponível. A lista de aproximadamente 300 perfis que recolhemos não está certamente livre de enviesamentos, mas, ainda assim, dá algumas pistas sobre o passado e presente da IA.
Os nossos dados dão a resposta à nossa pergunta: sim, as empresas privadas estão a reter talento! A percentagem de doutorados cujo primeiro emprego foi numa universidade, em gigantes do Digital ou startups tem vindo a sofrer alterações:
Como se pode verificar, a quantidade de estudantes de IA contratados por um líder digital tem aumentado significativamente (34%) e excede, pela primeira vez desde 2010, a proporção daqueles que enveredam por uma carreira académica (33%).
A tendência dos GAFA em contratar jovens com doutoramentos em IA não é uma novidade: dentro da nossa amostra, 35 estudantes foram contratados pela Google, Amazon, Facebook ou Apple depois de se licenciarem (só a Google contratou 2/3), 20 dos quais em 2011 e antes disso.
Observámos que a tendência para integrar uma empresa digital depende muito do orientador do doutoramento em questão – é, provavelmente, o reflexo da variação da atratividade das diferentes áreas de IA. Para alguns professores, quando apenas alguns alunos se tornam professores estamos perante uma questão de financiamento por parte da universidade/investigação – quem irá ensinar a próxima geração de cientistas?
Andrew Ng, por exemplo, é uma personalidade internacional de renome na área de Deep Learning e, até há pouco tempo, era Chief Scientist na Baidu. Enquanto ensinava em Stanford, era o orientador de 11 estudantes de doutoramento (entre 2008 e 2014): 4 dos quais começaram a sua carreira no âmbito académico; e apenas 1 ainda é professor – curiosamente, o primeiro estudante de doutoramento que Ng teve. Os outros estudantes podem ser encontrados em empresas como a Salesforce, Google, Facebook, Twitter, Baidu…
Existe, ainda, o risco de assistirmos à degradação dos rankings académicos, quando os professores já estabelecidos decidem integrar o sector privado. Isto porque, quem é que estes professores conhecem bem e vão tentar recrutar? Naturalmente, os seus ex alunos.
Conclusão: Onde e como procurar talentos
Se procura encontrar talentos na área da IA, tem dois caminhos:
- A via indireta: os investigadores de IA das melhores universidades sentem-se atraídos por empresas como a Google, e outras, pelo que será difícil concorrer.
A solução é beneficiar dos seus esforço na área da investigação através de plataformas cloud e de APIs ligadas a machine learning que a Google, AWC, Microsoft, IBM, etc. disponibilizam ao público. Mas, atenção: estas empresas não personalizam o seu trabalho para ir ao encontro das necessidades particulares de determinada organização.
- A via direta: se quer contratar os seus próprios investigadores de IA, há dois princípios a seguir:
1) Diversidade
Procure os casos únicos fora das melhores universidades e mais publicitadas, em diversos países (olhando, por exemplo, para os papers apresentados nas melhores conferências de IA). Apoie a construção de um futuro igualitário, criando uma equipa com igual número de mulheres e homens. Esta diversidade é um factor diferenciador que atrai talento.
2) Flexibilidade
Como observámos na nossa amostra, os investigadores dos dias de hoje não estão unicamente dedicados a uma posição académica como no passado. Hoje, sentem-se mais atraídos por carreiras ligadas ao empreendedorismo e mudam ou conciliam empregos com mais frequência. A chave numa estratégia de recrutamento deve passar, assim, por oferecer carreiras mais flexíveis. O que significa, por exemplo, considerar – e apoiar – os cientistas como potenciais intrapreneurs, permitindo que estes sejam professores em part-time, ou ajudando-os a voltar a ter uma posição no meio académico através da colaboração com um laboratório universitário.
Compita de forma leal com o meio académico e irá sobressair.
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