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Federico Casalegno: “Entendemos necessidades, nunca perguntamos às pessoas o que querem”

 

Qual a melhor forma de ir ao encontro das necessidades humanas através da inovação tecnológica? Para Federico Casalegno, fundador e diretor do Design Lab no Massachusetts Institute of Technology (MIT)requer a criação de tecnologias e serviços para os humanos, não esperando que estes se adaptem às tecnologias criadas no vácuo, para o seu próprio bem. O ponto de partida para o sucesso é a compreensão da sociedade, da cultura e dos comportamentos.

Como chegou onde está hoje?

O meu background académico e intelectual está nas ciências sociais e no design. O meu interesse primeiro foi entender o comportamento humano no contexto da evolução das novas tecnologias e modelar como isso afetaria a sociedade.

Enquanto fazia o meu doutoramento em Ciências da Comunicação em Paris, com Michel Maffesoli – um sociólogo revolucionário que estudou as relações humanas e conectividade em comunidades – comecei a trabalhar com a Philips Design na Holanda. Na época, a Philips Design era líder na aplicação de design thinking e user-centered design para fazer prosperar a inovação de uma forma única.

Em 2000, após terminar o doutoramento, fui para o MIT e comecei a trabalhar com o falecido Bill Mithell, que foi pioneiro na integração do design com a computação e outras tecnologias. Criámos juntos o que, agora, é chamado de Design Lab, onde tenho estado desde então a liderar projetos de investigação aplicada e design.

Como é que é que percebeu a diferença entre as ciências sociais, que estava a estudar, e o design centrado na tecnologia onde estava a trabalhar?

Para mim, o design desempenha um papel diferente no avanço do conhecimento e na criação de benefícios humanos – um papel que complementa a ciência e a inovação tecnológica. Isso não acontece automaticamente: para que o design cumpra esse papel, os designers devem preocupar-se com a situação social, cultural e espacial das tecnologias,  de forma a ir perfeitamente ao encontro de necessidades humanas específicas.

Como é que utiliza o design thinking no seu trabalho?

As pessoas tipicamente definem o “design thinking” como um método ou processo de resolução de problemas de forma criativa e prática, que geralmente cruza necessidades humanas com algo tecnologicamente viável.

No laboratório, temos uma abordagem diferente: estabelecemos como ponto de partida a criação de problemas, em vez da resolução de problemas. Por outras palavras, o nosso primeiro passo é o de tentar entender as experiências e necessidades complexas dos humanos e a partir daí identificar – ou criar – o que é, realmente, o problema. Só então começamos a explorar como criar uma solução.

Nesta abordagem, nunca começamos com uma perspetiva de engenharia ou tecnológica que, simplesmente, convertemos numa solução específica. Acredito que é isto que torna os nossos projetos verdadeiramente centrados no ser humano. É importante ressalvar novamente que começamos sempre com a criação de problemas. Se uma empresa nos solicita o design de um carro, nós rejeitamos. Não rejeitamos o carro como uma solução, mas queremos explorar o problema antes de adotar essa solução. Com isto, fazemos descobertas enormes que podem levar a designs realmente centrados no ser-humano: por exemplo, o problema pode ser que o sistema de mobilidade precisa de ser redesenhado e que um carro novo pode nem pertencer àquele sistema.

Eu não iria tão longe a ponto de dizer que o nosso é um método completamente único, mas é assim que trabalhamos. Temos um conjunto de ferramentas que nos permite compreender as necessidades e os comportamentos humanos. Recolhemos informações, criamos o que chamamos de “mapa da experiência” e, a partir daí, projetamos, prototipamos e implementamos. É sempre um processo de iteração e desenhamos ferramentas que precisamos, de forma criativa, para entender, prototipar ou implementar soluções personalizadas.

Como é que a prototipagem e a implementação apoiam o seu trabalho?

Em todo o nosso trabalho, abraçamos o lema do MIT: Mens et manus, que significa “mente e mão”.

Não somos um laboratório que faz investigação básica; nós projetamos e concebemos para uma implementação no mundo real. Para nós, é fundamental juntar investigação avançada – geralmente a nossa – com trabalho prático e, assim, da ideação, passamos à prototipagem ativa a todos os níveis. Esta é uma forma de pensar, desencadear ideias e imaginar novas soluções para o que “fizemos” do problema.

Estamos muito confortáveis ​​com todos os tipos de protótipos, desde aqueles que são infinitamente pequenos aos relativamente gigantescos. Fazemos muito trabalho em bio-design e, por isso, criámos protótipos de bactérias, por exemplo. Prototipámos pequenos objetos físicos usando bactérias como sensores, wearables, uma casa sustentável numa escala real e grandes espaços físicos, como uma filial de 250 metros quadrados para um banco onde testámos espaços e experiências digitais. É algo que tem estado no centro das atividades do Design Lab desde o início: sempre prototipámos e implementámos como uma forma de aprender, pensar de forma crítica e de experimentação. A criação faz parte da nossa abordagem crítica e processo de ideação e usamos protótipos como uma forma de criar e inventar, como passos na direção de uma solução.

Porque é que esta abordagem ao design é tão importante hoje em dia?

Em tempos, os consultores de gestão definiram um modelo: existe um problema – sabemos qual é – e aqui está a solução. Esta abordagem não funciona no design, mas ainda persistiu em grande parte do mundo do design. A sociedade humana é demasiado complexa para tal linearidade simplista.

A nossa abordagem ao design thinking tem realmente em conta todos os aspetos dessa complexidade, que é o resultado de uma relação sinérgica entre o espaço físico, os comportamentos humanos, as tecnologias existentes, etc. A nossa abordagem requer a adoção da perspetiva de criação de problemas num ecossistema, como forma de encontrar potenciais soluções, quer sejam produtos, serviços, tecnologias ou o que for. Nós não criamos produtos, mas ecossistemas dessas relações.

Como é que faz a investigação que descreveu? Pergunta às pessoas o que elas precisam?

A nossa investigação nunca envolve os “user surveys” que tantos designers glorificam. Somos absolutamente dedicados a entender as necessidades, mas nunca perguntamos às pessoas o que elas querem. Como uma famosa citação atribuída a Henry Ford (que ele provavelmente nunca pronunciou) coloca: “Se eu tivesse perguntado às pessoas o que elas queriam, elas teriam dito cavalos mais rápidos”.

Como é que entendemos as necessidades? Fazemo-lo observando as pessoas. A nossa abordagem de investigação, que advém da minha formação nas ciências sociais, é qualitativa e de investigação etnográfica. Os investigadores de mercado perguntam o que acha que precisa – e geralmente fazem-no de maneira tão direcionada que os conduz às respostas que já decidiram que estão à procura. Em contraste, nós observamos e ouvimos. Não criamos pesquisas específicas e altamente práticas. O nosso objetivo é descobrir o comportamento dos outros.

A abordagem de “user survey” resulta em medidas quantitativas e estatísticas sobre desejos. A nossa abordagem revela o verdadeiro comportamento que pode informar o design centrado no ser humano, porque somos inspirados por todos os sinais silenciosos que emergem de uma sociedade viva que está em fluxo contínuo, mas ao mesmo tempo exibe coisas fundamentais que importam para o nosso trabalho.

Observar, conversar e ter empatia com as pessoas é como construímos a nossa compreensão do mundo, a partir da qual descobrimos os problemas e projetamos soluções. Nós nunca perguntamos às pessoas o que é que querem como solução. No design, preocupamo-nos sempre não apenas com o modo como os humanos e a tecnologia irão interagir, mas também, e mais importante, com a forma como os humanos irão interagir uns com os outros.

Com esta perspetiva, é como se estivéssemos a desafiar os limites do design. Eu iria mais longe do que desafiar: eu acredito que o design, pela sua própria natureza, rompe limites. É por isso que o Design Lab é organizado como uma coleção de equipas multidisciplinares de investigação e projeto que são conscientemente livres das fronteiras tradicionais entre o design, o planeamento e as profissões e disciplinas da  engenharia.

Isso não significa, no entanto, garantir que todas as disciplinas relevantes “toquem” no nosso trabalho, mas sim misturar disciplinas para que as contribuições feitas pelos participantes no projeto transcendam as suas disciplinas individuais. Também quebramos barreiras ao envolver tantas das possibilidades emergentes proporcionadas pelas novas tecnologias da informação; novos materiais, fabricação e tecnologias de construção; novas formas de fornecer funcionalidade em escalas micro e nano; novas técnicas de engenharia de materiais e estruturas biológicas; e novas estratégias de planeamento e gestão. Trabalhamos com isto em todas as escalas imagináveis.

No final, o que é que é mais importante para um designer?

Um designer tem que ser um líder. Um designer deve ter uma atitude forte sobre o que é design como uma disciplina, de onde os designs devem vir e qual a sua finalidade. Um designer precisa de ser informado pelo mundo real – não por um mundo estatístico e percecionado – precisamente porque o design é para o mundo real, um mundo real não de estatística, mas de pessoas.

Não quero deixar a impressão, no entanto, de que tudo o que fazemos é juntar ciência social e tecnologia. O design também é arte. A estética é um elemento importante e característico do design. Não projetamos apenas coisas bonitas, mas a elegância da solução – o equilíbrio entre forma e função – também faz parte do projeto, refletida em todas as fases e resultados. Tanto a estética como a elegância são funções centrais de cada objeto, interface e design de todos os produtos e serviços. Através do design, o nosso objetivo é fornecer não apenas uma solução para um problema real, mas para proporcionar uma experiência humana encantadora.

 

Federico Casalegno, Professor Associado, é o fundador e diretor executivo do MIT Design Lab no Instituto de Tecnologia de Massachusetts, SHASS, CMS / W. Foi premiado com cátedras honorárias pela Escola de Arte de Glasgow, Universidade de Glasgow e da Escola de Design da Universidade de Jiangnan em Wuxi, China. É doutorado em Comunicação pela Universidade de Sorbonne, Paris V, e é o fundador do Innovation by Design, um estúdio de design de consultoria com sede em Boston, Milão e Seul.


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