Durante as Estoril Conferences, que decorreram nos dias 1 e 2 de setembro, entrevistámos Karim Lakhani, professor da Harvard Business School, que nos explicou porque considera que as empresas têm um grande incentivo para adotar a inteligência artificial: a sua própria sobrevivência.
Mas esta mudança exige coragem dos executivos e deve envolver toda a empresa.
Por onde é que as empresas podem começar? Karim Lakhani deixa várias pistas, nesta conversa, lembrando que a linha que separa as empresas que “abraçam” a inteligência artificial e as que estão a resistir vai crescer exponencialmente.
Como é que a inteligência artificial está a transformar o panorama dos negócios e a natureza das empresas?
A inteligência artificial (I.A.)está a mudar completamente a arquitetura dos negócios, quando pensamos da perspetiva de uma empresa, do seu modelo de negócio, e da forma como cria e capta valor.
Se pensarmos em todas as formas que os clientes querem transacionar e porque é que escolhem uma empresa, a inteligência artificial está a mudar isto radicalmente e a oferecer novas oportunidades de criação de valor.
Por outro lado, as receitas e os lucros também são importantes. Ou seja, o valor que é captado. A inteligência artificial permite automatizar e também oferece novas formas de captar valor a partir das abordagens de criação de valor.
Igualmente importante é o impacto da inteligência artificial no modelo operacional, porque ajuda a escalar, ou seja, a servir, mais e mais, clientes de forma eficiente e eficaz.
O mesmo acontece em como se oferece novos produtos e serviços aos clientes.
Para mim, o mais importante é a aprendizagem: é entender melhor o negócio, o que é que pode ser melhorado, o que mudou, e como a I.A. pode ajudar nesse sentido também.
Os gigantes da tecnologia, como a Google, a Meta e a Amazon, já colocaram a inteligência artificial no centro das suas operações. Agora, está a tornar-se mais evidente e acessível ao resto do mundo e das empresas.
Quais são os maiores incentivos para uma empresa adotar um modelo suportado por inteligência artificial?
O maior de todos é que, se não o fizer, vai tornar-se obsoleta. Está a emergir uma linha de separação entre as empresas que entendem e adotam a inteligência artificial – aquelas que estão a mudar e a transformar-se – e as empresas que estão a resistir. Esta divisão vai crescer exponencialmente e à medida que esse crescimento aumenta vai haver um mundo de problemas.
Para mim, o maior incentivo de todos é a sobrevivência.
Por um lado, porque permite responder às expectativas dos clientes, que esperam uma experiência mais fluída e maior facilidade de interação com as empresas.
Por outro lado, porque os colaboradores vão chegar e dizer “porque é que eu vou fazer este trabalho se a I.A. pode ajudar-me muito mais?”.
Portanto, os maiores incentivos são a sobrevivência da empresa e corresponder às expectativas dos clientes e dos colaboradores.
O que é importante é que os líderes aprendam e adotem, senão nada vai acontecer nestas empresas.
Como é que as empresas tradicionais podem fazer esta transição?
Já temos bons exemplos de empresas que estão a mudar. Temos a Comcast, nos Estados Unidos, que era um fornecedor de televisão por cabo tradicional e fez uma grande transformação digital. A Walt Disney também fez uma grande transformação.
As empresas tradicionais podem adaptar-se, mas é algo que tem de começar pelo topo: pelo board e pelo c-suite. Devem ser aqueles que investem em aprender como é que estas tecnologias interessam para os seus negócios. Sinto que a maioria dos executivos ignoram o facto de que nada acontece nas suas empresas sem software e sem o digital, pode ser um mau software e um mau digital, mas é como as empresas operam.
O que é importante é pensar de forma clara em termos de como estas tecnologias podem ser utilizadas para transformar modelos de negócio e de operação. O que vejo em muitas empresas é que a aceitação dos colaboradores é bastante elevada, mas são os senior managers e os líderes que têm de adotar, aprender e reinventar as suas empresas com base nestas tecnologias.
As empresas tradicionais podem adaptar-se, mas é algo que tem de começar pelo topo. O board e o c-suite devem entender como é que estas tecnologias interessam para os seus negócios.
Sinto que a maioria dos executivos ignoram o facto de que nada acontece nas suas empresas sem software e sem o digital.
Como é que uma empresa tradicional pode executar este tipo de transformação?
É uma ótima pergunta. Há 10 anos eu diria que levaria muito tempo e esforço, mas na última década tivemos vários exemplos e blue prints. Não se trata de uma “receita secreta”, é uma questão de aprender e de implementar para que se torne uma realidade.
Mesmo uma grande empresa farmacêutica como a Novartis fez este caminho para integrar a inteligência artificial nas operações de descoberta (de medicamentos), nas operações clínicas e nas operações de distribuição. Ou seja, reinventou-se.
Existem muitos livros bons sobre este tema que tornam mais fácil perceber o que é necessário fazer. O grande factor aqui é a vontade dos executivos e a coragem para que esta mudança aconteça.
O grande factor é a vontade dos executivos e a coragem para que esta mudança aconteça.
Referiu que “a inteligência artificial não vai substituir os humanos, mas os humanos que utilizam I.A. vão substituir os que não utilizam”. Como vê a utilização de ferramentas como o ChatGPT e outras nas empresas?
O que me preocupa realmente, neste momento, é que algumas empresas estão a colocar um travão nestas tecnologias. É importante encorajar os colaboradores, criar sandboxes, criar hackathons que mostrem aos colaboradores quais são os use cases da inteligência artificial generativa que podem existir hoje. Pode-se fazer um hackathon de dois dias que envolva toda a empresa, desde os colaboradores da linha da frente, ao marketing e aos recursos humanos, para que testem estas tecnologias e apresentem use cases. Vão ficar surpreendidos com a energia que estes colaboradores vão demonstrar e com as ideias que vão surgir.
Depois, é importante associar isto à estratégia da empresa. Podemos utilizar estes use cases para gerar imenso valor, reduzir custos, perceber como os priorizamos e como os implementamos. Isto pode ser feito agora, não estamos a falar de um futuro daqui a 3 ou 5 anos.
É importante encorajar os colaboradores, criar sandboxes, criar hackathons que mostrem aos colaboradores quais são os use cases da inteligência artificial generativa que podem existir hoje.
Todos na empresa devem estar envolvidos?
Sem dúvida alguma. Para mim, esta é uma ferramenta cognitiva. As pessoas pensam e este é um apoio que pode reduzir os custos da cognição e melhorar a qualidade.
Quão longe estamos do ponto em que a maioria das empresas vão ser suportadas por inteligência artificial?
Estamos muito no início. Tendo a pensar nisto como quando o web browser foi inventado há 30 anos. No início havia alguns exemplos divertidos e depois as pessoas começaram a utilizar de forma mais séria a Internet. O que mais me entusiasma são todo o tipo de novas empresas que estão a surgir e que vão reimaginar como as empresas trabalham com os seus clientes.
Há muitas oportunidades…
Sem dúvida alguma. Estamos na fase inicial. A verdadeira questão estratégica é “espero ou avanço?”. Depois de falar com vários executivos e conselheiros de empresas, o consenso é que se tem de avançar e não esperar. Porque esperar vai atrasar o trabalho que precisa ser feito. O melhor é abraçar e descodificar em conjunto com os colaboradores, em vez de dizer “isto não se aplica a nós.”
A verdadeira questão estratégica é “espero ou avanço?”. Depois de falar com vários executivos e conselheiros de empresas, o consenso é que se tem de avançar (para a I.A.).
Que primeiros passos podem ser dados?
Permitam aos vossos colaboradores que tragam use cases. Usem ferramentas, como o ChatGPT, o Claude, o Bing ou o LLaMA, e permitam aos vossos colaboradores que repensem todos os use cases que podem ser aplicados à cadeia de fornecimento, ao pricing, ao marketing, à investigação e desenvolvimento ou ao delivery. Há centenas de use cases. Os vossos colaboradores têm o conhecimento tácito sobre os clientes e sobre a organização. Permitam que possam gerar as suas ideias e que usem essas ideias para criar um menu de use cases que querem que sejam implementados primeiro. Depois, pensem como mudar radicalmente o modelo de negócio e de operação com base nisto. Mas o primeiro passo é dar poder aos colaboradores e mantê-los a avançar.
Termino com uma pergunta mais pessoal. Em que indústria está mais ansioso para ver a transformação provocada pela inteligência artificial?
Estou bastante entusiasmado com os cuidados de saúde, agricultura e a minha própria indústria que é a educação. Penso que podemos mudar completamente os nossos modelos de educação, como ensinamos e como aprendemos utilizando a inteligência artificial generativa.