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Os grandes princípios do design na China

Quando imaginamos uma nova experiência, gostamos de começar por definir os princípios do design dessa experiência, uma etapa que hoje se tornou incontornável. Estes princípios são os princípios fundamentais da experiência, são pilares que permitem ao designer fazer escolhas informadas ao longo do projeto e conceber em coerência todos os pontos de contacto. Neste artigo, exploramos os princípios chineses do design de experiências.

Este exercício é subjetivo e não-exaustivo, pois só estive em Xangai, só testei alguns serviços e só me encontrei com algumas startups e empresas. No entanto, pareceu-me interessante, mesmo sem ter ouvido falar uma única vez de UX (User eXperience) durante a minha estadia, constatar que existe uma abordagem para a concepção de experiências do utilizador, em suma, de design.

Mas, então, porque é que não ouvi falar de UX se é algo tão presente na Europa? É bastante simples… Na China, os drivers da concepção são as novas tecnologias, o marketing e os mercados concorrenciais: em vez de começar por um estudo sobre as necessidades ou sobre os comportamentos do utilizador, prefere-se copiar um serviço que funciona, inovar apostando tudo sobre uma nova tecnologia ou a lançar rápido para descobrir qual foi o alvo atingido.

Mesmo se a abordagem de concepção de um produto ou serviço não foi user-centric, muitas experiências que testei em Xangai respondiam a verdadeiros pontos de atrito. Então, o UX existe para além deles ou o UX vem da influência do ocidente (muitos designers estudaram na Europa e nos Estados Unidos)? A pergunta fica no ar.

1. Eficácia – A um clique de finalizar a ação

Uma coisa é certa: as páginas e ecrãs chineses contêm muita informação. Mas a experiência não é menos fluída, uma vez que todos os percursos são simplificados para reduzir o número de etapas e de escolhas possíveis.

Vejamos o exemplo da Mobike, o primeiro serviço de bicicletas self-service. Uma das suas particularidades é o facto de não precisar de nenhum ponto de recolha: para utilizar o serviço basta um smartphone. Depois de instalar a aplicação, é possível aceder às bicicletas disponíveis e reservar uma. Assim que chegamos ao pé da bicicleta, desbloqueamo-la, através do scan de um QR code que está no cadeado, e seguimos! A etapa de registo é igualmente eficaz: não é necessário fazer um passe, apresentar “n” justificativos ou ter de escolher entre várias fórmulas… só é necessário pagar o depósito e já está.

Bicicleta Mobike
Bicicleta da Mobike com QR Code 

Tal como no retalho, o mobile está no coração das experiências de utilização e a transição entre o digital e o real é muito bem conseguida. Este é, nomeadamente, o caso dos QR Codes, rapidamente esquecidos na Europa, mas que na China servem como uma espécie de fio condutor para fazer a ligação entre o mundo digital e físico. Ou seja, criar uma experiência sem atrito.

One rule to rule them all

Depois de uma semana em Xangai, é tentador apontar a eficácia como o único pilar destes grandes princípios chineses do design, dado que as experiências testadas no local foram, precisamente, eficientes. Todas permitiram realizar ações de forma simples e rápida, mesmo tendo perdido todas as nossas referências neste ambiente totalmente estrangeiro.

2. A antecipação – A experiência é controlada do início ao fim por quem a concebeu

Crystal Galeria
No shopping Crystal Galleria, o QR Code permite obter o mapa do centro comercial 

As experiências não têm compromisso

As experiências são extremamente controladas e chegam, frequentemente, ao ponto de fazer escolhas pelo utilizador.

Desta forma, ajudamo-lo a focar-se orientando o seu percurso: para não o baralhar, apresenta-se uma única oferta. Outro exemplo: em vez de ter várias formas de pagar, prefere-se apostar por default no WeChat. Não se trata de não dar opções ao utilizador, trata-se simplesmente de ajudá-lo, ao escolher por ele a solução mais eficaz.

As experiências não surpreendem: “Existe um QR Code para tudo”

Qualquer experiência começa pelo scan de um QR code. Por exemplo, quando chegamos a um local, passamos um QR code para aceder a um mapa ou a um programa de animações.

No caso raro de uma experiência não começar com um QR code, será necessariamente uma das etapas incontornáveis mais à frente na experiência, quer seja para o pagamento de um café que acabamos de pedir ao balcão, para doar dinheiro a um músico que toca na rua ou para contactar alguém. Redundante? Falta de originalidade? Cansativo? Não, pelo contrário, esta repetição permite ao utilizador chinês viver as suas experiências, sem surpresa e de forma fluída.

3. Pragmatismo
A eficácia é premium, uma experiência que não é emocional

Os percursos visam o essencial e os designers de serviços eliminam todas as ações supérfluas. No entanto, os chineses vão tão diretos ao assunto – seja qual for o tema – que não se acanham de criar um ambiente favorável ou adaptado ao objetivo.

Visitei, por exemplo, uma quinta urbana, a Sky Farm: uma nova abordagem contemporânea alternativa, apresentada como uma horta comunitária, instalada no topo de um edifício. Os habitantes podem cultivar os seus legumes – ou rebentos de legumes, muito utilizados na dieta alimentar de Xangai – e experimentar a agricultura urbana.

Antes da visita, como uma verdadeira consumidora (e designer) ocidental, tinha naturalmente em mente uma horta a céu aberto, com uma vegetação exuberante. Erro. O que descobri é mais parecido com um laboratório: prateleiras com vasos empilhados, tubos para alimentar as plantações e câmaras a vigiar à distância.

Isto com o pequeno detalhe notável que cada vaso estava conectado. O seu proprietário, o aspirante a agricultor, pode acompanhar online e à distância a evolução das suas plantações e desencadear as diferentes ações necessárias.

projeto-skyfarm
Projeto Sky Farm

Aqui, a resposta ao problema (alimentar perto de 24 milhões de habitantes) é  hiper eficaz e bem pensada. São instalados sistemas hidropónicos e aquopónicos urbanos, eficazes e sem grande sofisticação. Não interessa a parte estética, que, aqui, só teria um valor supérfluo, dado o carácter de necessidade do serviço, que se quer simplesmente prático e criador de soluções.

4. O modo conversacional – Um standard de experiência

Conversação contínua

As utilizações do WeChat vão muito para além do messaging, que anteriormente só me permitia conversar com os amigos (o que já era bom!).

Hoje posso, literalmente, fazer tudo. Posso, por exemplo, pagar facilmente a renda ao meu senhorio, contactar um serviço ao cliente, obter um cupão e comprar um produto – só para mencionar alguns serviços e novas utilizações que tornaram esta ferramenta indispensável ao dia-a-dia na China. E, assim, posso também aceder à minha conta, através do WeChat, e consultar as transações feitas num determinado serviço (quase todos).

No entanto, todas as ações que realizo, mesmo sendo práticas e quotidianas, são feitas de forma conversacional, ou seja, sob forma de uma conversa. As interações são simples (não há tempo para aprendizagens), contínuas (beneficia-se do histórico da conversa com o destinatário) e centralizadas (podemos, por exemplo, saltar a fase de registo).

Muitos serviços, desenvolvidos fora do WeChat têm este princípio de interação conversacional. As várias aplicações de streaming de vídeo, por exemplo, mostram os comentários dos utilizadores, criando, assim, um conteúdo mais interativo.

hongbao
Para voltar à conversa, é enviado um hongbao, um envelope com dinheiro a um grupo de amigos. Apenas os primeiros podem partilhar a quantia, os mais atrasados terão apenas uns cêntimos de yuan.

Empowerment

A lógica conveacional, que cria uma relação contínua e de confiança com os utilizadores, permite também resolver pontos de atrito nos percursos e criar verdadeiras experiências omnicanal, dando a palavra e a ação ao próprio utilizador.

Voltando ao caso da Mobike, muito rapidamente, a startup teve de lidar com questões de falta de civismo, registando vários casos de bicicletas mal parqueadas ou bloqueadas com cadeados pessoais, por exemplo. Não sendo possível tratar de todos os casos, a solução passou rapidamente para o lado do próprio consumidor! Apostando na lógica do “jogo”, a Mobike passou à ação: em troca de pontos, o ciclista é convidado a reportar problemas ou a devolver uma bicicleta mal parqueada. Mais do que fazer parte de uma conversação, o utilizador é convidado a participar ativamente numa experiência que vai além do standard de uma relação utilizador/marca.

Assumidamente, a obsessão do design tal como o conhecemos e a prioridade que lhe damos nas nossas reflexões não são assim tão evidentes na China. E isso surpreende-me. Mas basta viver por si algumas destas “experiências” chinesas para nos darmos conta (muito rapidamente) de que os seus valores são outros: a eficácia é premium e a fluidez reina aqui.

Porquê fazer complicado quando se pode (e deve) fazer simples? Para satisfazer a sua população de 1,4 mil milhões de pessoas (dos quais 751 milhões estão ativamente conectados à Internet), os desafios são naturalmente diferentes para a China. Da mesma forma que não hesitamos em duplicar um serviço que funciona, simplesmente copiando-o (como explica o nosso colega Louis Moullard no artigo “4 muralhas a ultrapassar para vencer na China”) não há motivo para alterar ou desafiar uma experiência simples e eficaz com provas dadas…